Entre aplausos e vaias, Brasil dá largada à Feira do Livro de Frankfurt
"O que significa ser escritor num país situado na periferia do mundo, um lugar onde o termo capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora?" As palavras do escritor Luiz Ruffato foram as primeiras pronunciadas em português no palco da cerimônia de abertura, nesta terça-feira (8), da Feira do Livro de Frankfurt, que tem o Brasil como convidado de honra.
Após as boas-vindas alemãs, o discurso de Ruffato abordou a desigualdade e as injustiças sociais brasileiras, o sistema de ensino falho e a falta de acesso à leitura. "No país inteiro há somente uma livraria para cada 63 mil habitantes", afirmou. O autor destacou o "papel transformador da literatura", que disse o motivar a escrever. Por suas palavras, foi elogiado pelo ministro do Exterior alemão, Guido Westerwelle, que discursou em seguida.
As críticas de Ruffato à realidade brasileira arrancaram longos aplausos do público, mas também reações exaltadas, como a do cartunista Ziraldo. "Não tem que aplaudir! Que se mude do Brasil, então!", disse de pé.
Além de Ziraldo, diversos outros nomes integrantes da comitiva de 70 autores brasileiros em Frankfurt formaram a plateia do auditório com quase duas mil pessoas, como Ruy Castro, Daniel Galera e Nélida Piñon, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL).
A atual presidente da ABL, Ana Maria Machado, fez um discurso menos político e mais poético que o de Ruffato. A escritora convidou o público alemão a mergulhar na literatura "plural, múltipla e diversa, em que os regionalismos eventuais se esgueiram pelas frestas de um cosmopolitismo inesperado". "Não venham procurar o exotismo e o pitoresco", advertiu.
Literatura e política
A abertura da passagem do Brasil como país convidado da 65ª edição da maior feira literária do mundo -- quase 20 anos após a primeira homenagem, em 1994 -- também foi marcada pela fala de figuras importantes da política brasileira e alemã.
Westerwelle ressaltou a parceria Brasil-Alemanha em termos econômicos e quanto a valores comuns – democráticos, de direitos humanos e culturais. "A presença de tantos autores brasileiros aqui na cerimônia de abertura é uma prova do valor dado à cultura pelos brasileiros. E a cultura nos une", disse.
O vice-presidente brasileiro Michel Temer também abordou questões democráticas e afirmou que o país viveu um avanço político-social nos últimos 25 anos, desde o estabelecimento da Constituição de 1988. Mas, ao tentar fugir da política e entrar no campo pessoal, Temer arrancou vaias da plateia.
"Eu mesmo publiquei um livro de poemas, que tem muito da minha infância. E até hoje não recebi nenhuma crítica por ele, nem positiva, nem negativa", disse, para surpresa dos presentes.
Já no pavilhão do Brasil, a ministra da Cultura Marta Suplicy discursou em clima de festa, ao som de música brasileira, regada a pão de queijo e caipirinha. "A feira traz apenas uma amostra de nossa maior riqueza: a cultura", disse.
Para quebrar clichês
Para o projeto Frankfurt, que abarca a feira do livro e a programação artística paralela ao evento, foram investidos 18,8 milhões de reais do governo, provenientes do Ministério da Cultura (MinC), do Ministério das Relações Exteriores, da Funarte, da Câmara Brasileira de Livros (CBL) e da Biblioteca Nacional (BN).
Renato Lessa, que assumiu a presidencia da BN em 2013, critica o modelo de financiamento atual da feira, com somente fundos governamentais. "Vale o investimento na imagem do país, mas acho que o gasto pode ser melhor distribuído, porque também é uma feira de negócios, comercial. Temos um setor privado de editores muito robusto e acho que, no futuro, devemos adotar um modelo compartilhado entre Estado e setor privado."
Lessa destacou a feira como uma oportunidade de promover a cultura brasileira, mas disse que deve haver uma continuidade de políticas públicas nesse sentido, como o programa de bolsas para a tradução de autores brasileiros da BN e parcerias com museus. O presidente da BN aposta no conteúdo dos debates a serem promovidos pelos autores brasileiros em Frankfurt nos próximos dias e também destaca a qualidade do pavilhão do país.
Com 2.500 metros quadrados, o pavilhão foi concebido por Daniela Thomas e Felipe Tassara e construído todo em papel, com paredes sinuosas em homenagem a Oscar Niemeyer e ao Modernismo brasileiro. O objetivo do espaço é mostrar um Brasil moderno e contemporâneo.
"Acho que se tem muito o estereótipo de que o Brasil é o país do samba, do futebol, é uma selva. Temos tudo isso sim, mas temos mais. Temos nossas arquitetura moderna, nossa contemporaneidade, nossa inventividade. O pavilhão e a programação tentam mostrar a produção contemporânea para além dos clichês", afirmou o curador e coordenador do Projeto Frankfurt 2013, Antônio Martinelli.
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