"A infância de Kim Jong-un foi cheia de luxos, mas solitária", diz autora de livro sobre líder da Coreia do Norte
Embora seja um dos personagens mais conhecidos da política global, sua vida íntima continua rodeada por mistério. A jornalista Anna Fifield discute alguns dos aspectos menos notórios do jovem líder norte-coreano.
Kim Jong-un é um dos personagens mais enigmáticos do mundo. Ele está frequentemente nas manchetes da imprensa internacional e, no entanto, nem sequer se sabe ao certo a data de seu aniversário.
Desde que assumiu a liderança da Coreia do Norte, após a morte de seu pai, Kim Jong-il (1941-2011), poucos detalhes sobre sua vida foram conhecidos.
Agora, a jornalista Anna Fifield analisa em seu novo livro, The Great Successor: The Divinely Perfect Destiny of Brilliant Comrade Kim Jong-un (O Grande Sucessor: O Destino Divinamente Perfeito do Brilhante Camarada Kim Jong-un, em tradução livre), examina a vida do jovem líder norte-coreano, concentrando-se em grande parte em sua infância e adolescência.
A BBC News Mundo conversou com Fifield, chefe do escritório do jornal The Washington Post em Pequim, na China, sobre os hobbies, a vida na Suíça, o relacionamento com sua mãe e outros aspectos da vida íntima de Kim Jong-un.
BBC News Mundo - Como você descreveria a infância e a adolescência de Kim Jong-un?
Anna Fifield - Como muito anormal e solitária. Ele não foi à escola, não teve amigos. Ele nem conhecia os irmãos das outras famílias de seu pai. Vivia em um complexo junto com seu irmão e irmã de pai e mãe. E os três ficavam realmente sozinhos. Então, ele teve muito pouco contato com o mundo exterior ou com a vida normal em seu próprio país quando estava crescendo.
BBC News Mundo - Ao mesmo tempo em seu livro você descreve uma vida cheia de luxos.
Fifield - Quando ele era criança, tinha roupas e alimentos importados. Morava em um complexo incrível com piscinas e um carro que foi modificado para que ele pudesse dirigir. E todos os brinquedos que se poderia desejar. Então, sim, ele teve uma vida de luxos, enquanto a regra no país naquela época era a privação completa.
BBC News Mundo - Isso fez com que ele se sentisse como uma criança especial?
Fifield - Não exatamente, porque ele não conhecia nada além daquilo, só todo aquele luxo. O que o fez se sentir especial foi quando, em seu oitavo aniversário, foi anunciado aos principais líderes do regime que ele seria o sucessor do pai. Então, deram a ele um uniforme de general e eles cantaram uma música sobre como ele seguiria os passos do pai. Seus tios me disseram que, a partir daquele momento, era impossível que fosse uma criança normal. Generais e líderes do Partido Comunista se curvam perante ele desde os 8 anos de idade.
BBC News Mundo - Kim Jong-un estudou na Suíça entre os 12 e 15 anos de idade. Como foi seu comportamento lá?
Fifield - Embora, na Coreia do Norte, ele frequentasse a escola com outras crianças e tentasse se adaptar, ele claramente teve dificuldades enquanto estava na Suíça, tanto na escola inglesa que frequentou primeiro quanto depois na escola alemã para onde foi transferido depois de dois anos.
Ele tinha dificuldades em se comunicar. Ele não tinha uma mentalidade muito acadêmica. Queria jogar basquete ou jogar videogame em casa. Não queria fazer lição de casa. Então, foi difícil. Acho que ele teve dificuldades de se encaixar, de se comunicar com os outros alunos. Portanto, não foi uma experiência particularmente feliz para ele.
BBC News Mundo - E como essa experiência influenciou sua posterior posição como líder do regime?
Fifield - É impossível dizer. Quero dizer, sabemos tão pouco sobre Kim Jong-un que a tendência é pegar essas pequenas anedotas de sua infância e tentar extrapolá-las para tentar entender como ele se tornou o tirano que é hoje. Mas é impossível analisar psicologicamente alguém a distância e dizer que coisas ocorreram por causa de determinada experiência na infância. Tudo que podemos dizer é que ele teve uma infância anormal.
BBC News Mundo - Seria de se esperar que, com uma educação na Suíça, talvez ele pudesse empreender algumas reformas de abertura do regime.
Fifield - Na verdade, acho que aconteceu o contrário. Acho que foi por viver na Suíça, viajar pela Europa e ver como era o mundo exterior que percebeu que, se não fosse pelo culto à personalidade de sua família e o sistema totalitário, ele não seria ninguém. Não seria especial. Não seria obedecido nem elogiado ou teria essa vida luxuosa. Seria simplesmente uma pessoa comum que teria de fazer a lição de casa e tirar boas notas.
Então, acho que ele provavelmente voltou à Coreia do Norte com um pensamento muito distante de ser um reformista ou da necessidade de promover uma abertura da Coreia do Norte. Provavelmente, voltou com a visão contrária: que precisava manter o sistema intacto para que ele e sua família continuassem desfrutando desta vida privilegiada.
BBC News Mundo - Como foi o relacionamento com seus pais? Ele tinha um parente que era especial para ele?
Fifield - Ele tinha um relacionamento muito próximo com sua mãe. Embora ela fosse a primeira dama de fato da Coreia do Norte e tivesse muitos compromissos oficiais, ela tinha muito cuidado com seus filhos, revisava suas tarefas e os visitava enquanto estavam na Suíça. Não só ela estava muito envolvida, mas também sua irmã, que era a pessoa que cuidava deles. Ela agia como a mãe das crianças naquela época, então todos eram muito unidos.
No que diz respeito a Kim Jong-il, aparentemente ele passou muito tempo naquele complexo familiar enquanto Kim Jong-un era pequeno. Isso teria deixado Kim Jong-nam, o filho mais velho de Kim Jong-il (e irmão por parte de pai de Kim Jong-un), com muito ciúme e infeliz por sentir-se abandonado por seu pai, porque ele passou muito tempo com esta outra família.
BBC News Mundo - Sua mãe nasceu no Japão, e, em seu livro, você analisa as influências japonesas sobre Kim Jong-un, algo estranho dadas as hostilidades entre os dois países. Por que isso é importante?
BBC News Mundo - Acho que isso só mostra as contradições no sistema norte-coreano, em que o Japão é demonizado como inimigo e criticado pela imprensa estatal quase todos os dias. No entanto, a mãe de Kim Jong-un nasceu no Japão e cresceu lá durante os primeiros 11 anos de vida. Tinha um nome japonês e falava japonês, como muitos imigrantes coreanos que foram para o Japão durante e depois da guerra.
Eles tinham um chef japonês que morava na casa com eles, então, eles apreciavam comida japonesa. Kim Jong-un foi para o Japão várias vezes quando criança. Ele conhecia a cultura japonesa e gostava da cultura do mangá. Sua tecnologia excelente tem o mesmo apelo para os "príncipes" da Coreia do Norte do que para qualquer outra pessoa.
BBC News Mundo - Você fala sobre algumas de suas paixões, como a tecnologia. Quais são seus outros passatempos?
Fifield - Acho que o basquete é o principal. Ele era obcecado pelo esporte na Suíça. Costumava dormir com uma bola na cama. Ia à quadra de basquete todos os dias depois da escola e, sempre que tinha uma oportunidade, ia a Paris assistir a jogos da NBA. É uma obsessão que continua até hoje.
BBC News Mundo - O que mais te surpreendeu em sua pesquisa para o livro?
Fifield - Eu tentei entender como ele consegue dormir à noite. Sabendo o que ele sabe sobre o mundo exterior e tendo crescido em uma época diferente de seu pai, como ele justifica para si mesmo as coisas brutais que teve de fazer? Bem, o que ele escolheu fazer para permanecer no poder. Então, eu queria tentar entender o lado psicológico disso. Há muitos psicólogos que tentaram interpretar e entender seu comportamento.
Uma coisa que me surpreendeu foi o que um psicólogo me disse, que há um efeito químico no cérebro que vem do poder. Daí a afirmação de que o poder corrompe. Isso se baseia na ideia de que, quando você exerce poder, uma reação química é desencadeada, uma há liberação de dopamina no cérebro que faz com que você queira fazer isso novamente.
BBC News Mundo - Seu livro trata da solidão em sua adolescência. Sentiu algum tipo de simpatia ou talvez tristeza por ele em algum momento?
Fifield - Não simpatia, mas de certo modo pena, porque ele teve uma educação tão anormal e um modo de vida tão incomum. E, com a influência disso sobre ele, acho que seria quase impossível que tivesse seguido por outro caminho. Ter abandonando o regime teria sido algo extremamente difícil. Seu irmão mais velho fez isso um pouco, mas não completamente. Ele continuou a ter ligações com o regime até sua morte. Acho que as pessoas de famílias assim não conseguem abrir mão das riquezas que vêm com tudo isso.
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