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As razões que levaram a série "La Casa de Papel" a virar um fenômeno global

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Jennifer Keishin Armstrong

02/06/2019 18h59

Um rapaz e uma mulher entram no cofre do banco juntos, cobertos de sangue. Eles estão vestindo macacões vermelhos. Ele a ajuda a tirar a roupa para poder cuidar de seu ferimento de tiro. Então, ele puxa um bisturi e explica que vai remover a bala. Ela está horrorizada. "Algumas pessoas têm balas em seus corpos e estão bem", diz ela. "Eu vi na televisão."

Isso parece convincente para ele. E por que não? Afinal, eles estão na TV também - na série espanhola "La Casa de Papel". E, como o programa é repleto de situações ridículas e pessoas bonitas e cheias de estilo, parece perfeitamente razoável que ela sobreviva com uma bala dentro do corpo.

É igualmente provável que ela morra, deixando seu atraente atirador que virou médico cheio de culpa, ou ela vai se apaixonar por ele. Tudo faz parte do drama novelesco em torno do assalto, que é o pilar central da série.

O verdadeiro apelo de "La Casa de Papel" não é como ou se o assalto acontecerá, mas os dramas interpessoais que surgirão ao longo do caminho entre os belos ladrões, seus belos reféns e as belas autoridades que tentam negociar com eles.

Popularidade da série chamou atenção do Netflix

Por duas temporadas, com uma terceira a caminho, a equipe de oito criminosos de "La Casa de Papel" mantém 67 reféns na Casa da Moeda Real da Espanha para imprimir bilhões de euros com os quais esperam fugir.

Embora tenha sido criada para a emissora Antena 3 da Espanha e planejada como uma série limitada, sua popularidade mundial chamou a atenção o serviço de streaming Netflix, que a adquiriu e passou a transmiti-la em dezembro de 2017.

"La Casa de Papel" logo se tornou a série em outro idioma que não o inglês mais assistida do serviço. Em abril de 2018, chegou a superar o programa "Stranger Things". Seu sucesso também levou o Netflix a assinar um acordo de produção global com seu criador, Alex Pina. A série ainda ajudou o serviço de streaming a se tornar um fenômeno mundial.

Mariola Cubells, uma crítica de TV espanhola que escreve para os sites The Huffington Post e Cadena SER, diz que é o aspecto "aspiracional" da série que lhe dá apelo universal - todos nós podemos nos identificar pelo menos um pouco com os criminosos e seu plano de imprimir dinheiro sem (eles esperam) prejudicar ninguém. "Você quer que os 'bandidos' se saiam bem", diz ela.

Entre os personagens ladrões, todos têm codinomes baseados em cidades do mundo. Há a linda fã de punk-rock Tóquio (Úrsula Corberó), que narra a história; Rio (Miguel Herrán), um hacker e amante de Tóquio; Moscou (Paco Tous), um mineiro de meia-idade; e Denver (Jaime Lorente), filho de Moscou e quem atirou na linda refém na cena que abre este texto e depois ajudou a escondê-la dos outros ladrões, cuidando de seu ferimento no cofre (sim, é complexo assim mesmo).

A equipe é supervisionada externamente por um misterioso mentor que eles chamam de Professor (Álvaro Morte). A inspetora policial Raquel Murillo (Itziar Ituño) é incumbida de negociar o fim do assalto e, ao mesmo tempo, tem de lidar com um ex-marido abusivo.

Entre os reféns, estão uma funcionária da Casa da Moeda, que está grávida do seu supervisor casado e a rebelde filha adolescente do embaixador britânico na Espanha.

Além do vasto leque de possibilidades dramáticas, "La Casa de Papel" também tem um visual distinto, graças ao aparente senso de estilo de seus criminosos. A equipe de assaltantes veste macacões vermelhos que combinam convenientemente com os telefones e outros detalhes no interior da Casa da Moeda.

Eles também fazem engenhosamente com que os reféns se vistam de forma idêntica, de modo que a polícia não consiga distinguir inocentes e criminosos à distância. Os ladrões atacam usando máscaras de Salvador Dalí, que parecem simultaneamente assustadoras e incrivelmente legais.

Programa é aclamado pela crítica internacional

Desde o início, "La Casa de Papel" foi um sucesso entre os espectadores em sua terra natal. Mais de 4 milhões de telespectadores espanhóis assistiram à estreia, quase o dobro do número de seu concorrente mais próximo.

O jornal espanhol El País disse que a série é "excelente", com destaque para sua narrativa complexa e as formas como subverte a ideia de "mocinhos" e "bandidos".

Os personagens multidimensionais e a tensão narrativa, bem como o cenário único fazem a série se sobressair na TV espanhola, diz Cubells. O enredo também dá às personagens femininas igual atenção em comparação com as masculinas, uma inovação para a TV espanhola: "Não tem aquela dose extra de testosterona ", afirma a crítica.

O programa também foi aclamado pela crítica global. A Medium Magazine, da Holanda, disse que "o show orquestra suas reviravoltas magistralmente, deixando você ofegante a cada episódio". O site Haaretz, de Israel, a chamou de "viciante" e uma "aula" de como criar uma história.

Pauline Bock, da revista britânica New Statesman, teorizou que o público é cativado pelos temas anticapitalistas em um momento de incerteza financeira. Ela reconheceu que o enredo é exagerado - e também suas qualidades viciantes. "É totalmente ridículo", escreveu ela. "E nós não conseguimos parar de assistir."

John Doyle, do jornal The Globe and Mail, do Canadá, ecoou estes pensamentos: "É um drama centrado em um assalto que subverte a maioria dos clichês dos filmes do gênero e celebra outros. É também deliciosamente melodramático às vezes, usando um estilo de novela para contar uma história que tem reviravoltas ultrajantes e muita paixão. Mas coloca na receita uma agenda social profundamente séria".

O sucesso do programa em todo o mundo marca um ponto de virada para a TV espanhola, explica Cubells. "Não conseguimos exportar cultura, modos de vida, de pensamento", diz ela, até La Casa de Papel.

Na verdade, La Casa de Papel está fazendo ainda mais: está definindo um padrão de drama televisivo que é capaz de atrair não apenas o público de sua cultura de origem, mas de todo o mundo.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.

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