Lois Weber: a pioneira diretora de cinema que chocou o mundo
Ela chegou a ser a mais bem-sucedida diretora de Hollywood; conheça sua incrível trajetória de ascensão e queda - e a recente redescoberta dessa lenda do cinema.
Uma cena de nudez! Aborto, métodos contraceptivos, prostituição! Na era do cinema mudo, os filmes de Lois Weber, muito à frente do seu tempo, chocavam o público e ao mesmo tempo eram muito populares. Ela escreveu, dirigiu, produziu e às vezes até estrelou em seus filmes.
Em 1916, ela era a diretora de estúdio mais bem paga dos Estados Unidos, entre homens e mulheres. Ela foi a pioneira em técnicas como o split-screen (de dividir a tela em duas) e a dupla exposição, teve seu próprio estúdio por um tempo e, ao lado de Alice Guy-Blaché, foi uma das mulheres que mais contribuíram às primeiras fases do cinema. Mas ela morreu sozinha, falida e praticamente esquecida em 1939. O que aconteceu?
A resposta reverbera até hoje. "As mulheres têm feito filmes desde a era muda", disse a atriz e cantora americana Brie Larson recentemente, colocando de lado a discussão sobre se filmes protagonizados por mulheres podem dominar as bilheteria. ("Capitã Marvel", filme em que atuou, com certeza chegou lá).
"As pessoas simplesmente nos empurram para lá quando o movimento ganha tração e agem como se nunca estivéssemos ali antes", afirmou Larson.
Esse argumento historicamente preciso pode ser aplicado à ascensão e queda de Lois Weber. Uma vez uma força dominante na indústria, ela e outras mulheres foram apagadas quando os homens dominaram Hollywood.
"Eu cresci em uma indústria onde todos estavam tão ocupados aprendendo seu ramo particular do novo mercado que ninguém tinha tempo para perceber se uma mulher estava conseguindo conquistar espaço", relembra Weber. Criada no Estado da Pensilvânia, nos EUA, ela cantava na sua igreja em missões evangélicas pelas ruas e, mais tarde, viu nos filmes uma maneira de pregar uma mensagem social.
Mas ela sempre foi uma rebelde. Ela foi aos palcos quando isso ainda significava uma mancha na reputação e deixou o teatro ao se casar com o ator Phillips Smalley. Juntos, eles começaram a fazer filmes, mas logo ficou claro que Lois era a força criativa.
Um de seus primeiros filmes, "Suspense" (1913) é visto, até hoje, como uma pequena obra de arte. Com 11 minutos de duração, é comparável ao melhor de Hitchcock. Weber interpreta "a esposa", que está sozinha com seu bebê em uma casa remota quando um homem, chamado de "o vagabundo", tenta invadi-la.
Com o impostor na porta, a esposa liga para seu marido, que está no escritório, e Weber divide a tela em três triângulos para que possamos ver os três personagens ao mesmo tempo. Há um close-up do olho do invasor observando através do buraco da chave.
Weber usa artifícios que estamos acostumados a ver hoje nos filmes de suspense, como uma cena de um fio de telefone sendo cortado com uma faca. A tensão é enorme - graças às técnicas pioneiras de edição cinematográfica. Mesmo se "Suspense" fosse a única obra de Weber, ainda assim ela seria uma figura importante na história do cinema.
Nem todos seus filmes eram divertidos de se assistir, como o "Hipocrytes" ("Hipócritas", 1915), no qual ela usa várias alegorias para expor a hipocrisia social. Um pastor prega em sua congregação e o filme volta no tempo para mostrá-lo sonhando que é um monge medieval talhando a "Verdade Nua".
O ator interpretando o monge é altamente teatral, como muitos atores da época, e usa mais delineador que as mulheres do filme. Mas "Hipocrytes" é lembrado pela cena em que a estátua ganha vida como uma mulher nua, translúcida em dupla exposição, brincando através da tela.
Historiadores ainda discordam sobre o fato de ela ter usado ou não um collant, mas a nudez era convincente o suficiente para causar revolta em alguns conselhos de censura do governo americano. Weber disse que a nudez não era uma jogada publicitária e defendeu a delicadeza da imagem.
"Eu esperava que a foto agisse como uma força moral", afirmou. Em outra cena num comício político, por exemplo, a mulher nua segura um espelho de mão e uma legenda aparece dizendo "a verdade faz a política se olhar no espelho". De maneira astuta, as obras de Weber ao mesmo tempo entretinham e pregavam para a audiência.
No ano seguinte, Weber estava no auge de sua fama, lançando três de seus mais importantes filmes. "Shoes" ("Sapatos"), de 1916, está entre os mais fortes e é a obra que provavelmente mais agradaria ao público de hoje. Já não há atuações exageradas na história de uma garota chamada Eva, que ajuda a sustentar seus pais indigentes e suas irmãs trabalhando em uma loja. Seus sapatos são repletos de buracos e estão em pedaços e ela não tem dinheiro para comprar um novo par com seu salário minúsculo.
Ela fica tão desesperada que decide dormir com um lascivo cantor de boate. Interpretando a atendente de loja, a atriz Mary Maclaren ainda parte nosso coração conforme a vemos tomando sua decisão, vestindo-se para seu encontro com o cantor e transparecendo tristeza ao se olhar em um espelho quebrado. O filme fica escuro depois que ela o encontra na boate, mas no dia seguinte ela está de sapatos novos.
O filme se torna excepcional por não julgar Eva. Um pôster de propaganda do filme o descreveu como "três semanas cheias de acontecimentos na vida de uma garota semiescrava que é levada ao pecado sem ter culpa disso". Weber atacava desigualdade social e ideias conservadoras, não as pessoas que eram vítimas dela.
A ousada
Seu filme mais controverso naquele ano, "Where Are My Children?" ("Onde Estão Meus Filhos?"), fala sobre anticoncepcionais e aborto em uma época em que ambos eram ilegais nos EUA. A história começa com um promotor acusando um homem de promover "literatura indecente" - um panfleto com informações sobre contracepção.
Um texto introdutório diz: "todas as pessoas inteligentes sabem que a contracepção é um assunto de interesse público". Nem todas. Seu Estado natal, Pensilvânia, baniu o filme dizendo que "não é apropriado para pessoas decentes o assistirem". Outros Estados foram mais permissivos e o filme se tornou o mais bem-sucedido da Universal Pictures daquele ano.
Por mais avançado que fosse o pensamento de Weber, em alguns pontos, "Onde Estão Meus Filhos?" perde o sentido hoje. O filme é sobre a esposa do promotor, que leva suas amigas frívolas a um médico que faz aborto, Dr. Malfit, e ela mesma aborta. As legendas do filme mudo moralizam seu egoísmo por não ter criança, o que era considerado dever da mulher de classe média - o único filho de Weber e Smalley havia morrido ainda criança cinco anos antes.
Seja como for, Weber ousou pelo simples fato de trazer à luz a discussão sobre contraceptivos.
Talvez ela tenha sido a primeira mulher a dirigir grandes cenas de ação, no filme "The Dumb Girl of Portici" ("A Garota Estúpida de Portici"), de 1916. A bailarina russa Anna Pavlova estrela nessa obra, que se passa na Itália no final do século 17, quando a região era governada por representantes do rei da Espanha. Pavlova interpreta uma pescadora muda seduzida por um homem nobre. Ela não dança nem se move muito no filme.
Um dos filmes mais caros da época, "The Dumb Girl of Portici" inclui várias cenas com multidões perfeitamente orquestradas. Fileiras de soldados montados em seus cavalos tomam o centro da cidade. Uma demonstração massiva acontece no lado de fora do palácio do governador. Quando soldados atacam os plebeus, ocorre um grande tumulto.
Na época, Weber era citada ao lado de D.W. Griffith entre os mais importantes diretores de cinema em atuação. Em termos de período histórico, montagens elaboradas e escopo, "The Dumb Girl of Portici" é o seu filme que mais se assemelha aos de Griffith. É também o seu filme menos típico, mas marca outra quebra de paradigmas. Diretoras de filmes de ação que só agora estão ganhando espaço na indústria podem não saber que Weber chegou lá antes.
Mas nos anos 1920, o mundo mudou muito, e depressa. O público perdeu o gosto por filmes com consciência social. Os filmes com som chegaram. E, principalmente, segundo vários historiadores de filmes como Cari Beachamp, os homens perceberam que esse negócio de fazer filmes poderia realmente dar dinheiro. Quando os filmes se tornaram um grande negócio, diz Beauchamp, "os homens queriam os empregos" - e os conseguiram.
Mas Weber continuou fazendo filmes, incluindo um com som - seu último - em 1934. Ela se divorciou e depois se casou com um homem que roubou seu dinheiro e a deixou.
Recentemente, ela foi redescoberta. Seus filmes foram apresentados em festivais e exibições especiais em todo o mundo. Vários estão disponíveis em DVD e serviços de streaming. Uma caixa de DVDs intitulada "Pioneers: First Women Filmmakers" ("Pioneiras: As Primeiras Diretoras Mulheres") inclui vários filmes seus. Eles também estão na Netflix, incluindo "Suspense".
A Milestone Films lançou DVDs dos filmes de Weber nos EUA e no Reino Unido, incluindo "The Dumb Girl of Portici" e "Shoes". Enquanto muitos filmes sem som tinham trilhas de pastelões do grupo Keystone Cops, essa versão de "Sapatos" inclui uma nova partitura de Donald Sosin e Mimi Rabson que é tão eloquente e contida quanto a atuação de Mary Maclaren.
E recentemente foi lançado um livro de entrevistas com e artigos sobre a cineasta, intitulado "Lois Weber: Interviews" ("Lois Weber: Entrevistas", editado por Martin F, Norden e publicado pela editora University Press of Mississippi).
É uma pena que levou um século para Weber voltar, mas talvez ela não se surpreendesse com isso. Em 1928, ao ver Hollywood mudar, ela escreveu um artigo de jornal exigindo mais oportunidades para diretoras mulheres. "As mulheres entrando na indústria agora a encontram praticamente fechada", escreveu. "Um homem começando não teria tantos obstáculos". Ela estava muito à frente de seu tempo em chamar atenção para isso também.
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