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Globo de Ouro 2019: a transformação do ator Rami Malek para viver Freddie Mercury em Bohemian Rhapsody

Rami Malek aparece como Freddie Mercury pela 1ª vez - Reprodução/Entertainment Weekly
Rami Malek aparece como Freddie Mercury pela 1ª vez Imagem: Reprodução/Entertainment Weekly

07/01/2019 16h14

Pergunte a qualquer pessoa que faz imitações qual é a chave do sucesso. Ele ou ela vai te explicar que sempre procura uma "marca" do imitado: um traço físico, um cacoete, ou um "tique" da pessoa a ser imitada, para ajudar a construir o personagem.

Para imitar o ator americano Robert De Niro, por exemplo, a frase é "está falando comigo?", celebrizada pelo personagem dele no filme Taxi Driver. No caso da cantora britânica Adele, é a sua risada peculiar.

Para o ator Rami Malek, converter-se em Freddie Mercury foi tão fácil quanto aprender a dizer "awlright" - o jeito peculiar que Mercury tinha de pronunciar a palavra inglesa "alright" (que significa "tudo bem" ou "de acordo").

No set de filmagens de Bohemian Rhapsody, o "awlright" de Mercury/Malek se tornou uma espécie de senha do ator para dizer que estava pronto para entrar em ação.

"Quando as pessoas no set me ouviam dizer 'awlright', isso queria dizer 'mexam-se, vamos nessa!'", conta Malek.

Mas o retrato que o ator americano fez da estrela do Queen é muito mais que uma imitação.

Rami Malek posa para fotos com seu Globo de Ouro pela atuação em "Bohemian Rhapsody" - Mark Ralston/AFP - Mark Ralston/AFP
Rami Malek posa para fotos com seu Globo de Ouro pela atuação em "Bohemian Rhapsody"
Imagem: Mark Ralston/AFP

O mundo de Mercury

Malek dominou os trejeitos e a postura característica de Mercury nos palcos.

Tanto é que, ao assistir à recriação, no filme, do show do Queen no concerto Live Aid, em 1985, é fácil esquecer que não se está vendo a apresentação real.

A interpretação também levou em conta a psiquê do cantor, para revelar uma alma vulnerável e ansiosa, de alguém que renega seu nome de nascimento, Farrokh Bulsara, e cujo alter-ego só desperta na frente dos holofotes.

"Há algo de muito agitado nele", diz Malek. "Tem um lado passional, que anseia sentir-se parte de uma comunidade, encontrar amor, companheirismo? mas de alguma maneira há uma sensação de distância."

Foi difícil descobrir o verdadeiro Mercury. Sabe-se que ele era irritável nas entrevistas à imprensa, que encarava como uma tarefa e nas quais descrevia a si mesmo como um "dândi" e uma "prostituta musical", ao invés de falar sobre coisas íntimas.

Mercury teve uma morte prematura, em 1991, provocada por uma pneumonia relacionada à Aids. E não deixou nenhuma autobiografia que revele detalhes de seus pensamentos mais íntimos. "Segui buscando caminhos para chegar ao homem, e então me dei conta de que ele nos deixou um diário: todas as suas músicas", disse Malek.

Duas das músicas mais reveladoras são Lily of the Valley e You Take My Breath Away, ambas mais tranquilas e contemplativas que a confiança a prova de balas de Don't Stop Me Now ou Another One Bites the Dust.

"Acredite em mim, eu insisti para que estas canções estivessem no filme, porque me deram muita informação sobre Freddie", diz o ator. "Mas ninguém canta estas duas no karaokê", diz ele.

O filme é acusado de esconder o "Freddie Mercury da vida real" e tratar apenas de seus excessos: o sexo, as drogas, as festas com camareiros pelados e anões levando bandejas de cocaína na cabeça.

Outros temiam que a história de Freddie fosse "heterossexualizada". Mas, apesar de o filme mostrar sua relação com sua parceira de fato, Mary Austin, a bissexualidade escondida de Mercury é uma parte essencial do roteiro.

"Não é um documentário", sublinha Malek, "E nós tomamos licenças com a cronologia (dos fatos históricos) porque tínhamos duas horas para contar a história", diz.

"Em alguns momentos foi bem complicado. Tivemos de nos perguntar: 'vamos mostrá-lo quando criança, em Zanzibar (na costa africana)?', 'vamos mostrá-lo no internato em St. Peter (na Índia)?'. Essas coisas chegaram a ser filmadas, mas nos demos conta de que tínhamos tempo limitado", diz.

"Foi assim que chegamos a escolher este período (mostrado no filme), que vai do começo dos anos 1970 até 1985. A ideia era celebrar este ser humano", diz Malek.

O compromisso de Malek

Era impossível duvidar do comprometimento de Malek com o papel. Ele passou por um teste de seis horas, muito antes que o filme tivesse sequer conseguido financiamento para ser feito; e passou horas estudando vídeos do Queen gravados por fãs da banda para adquirir os maneirismos de Mercury e sua forma de se movimentar no palco.

Durante o desenvolvimento do filme, Malek voltava a Londres para fazer aulas de canto e piano; treinou também com um professor de idiomas e com a coreógrafa Polly Bennet, que sugeriu ao ator estudar as pessoas que inspiraram Mercury: Jimi Hendrix, David Bowie e, principalmente, Liza Minelli em "Cabaret". Malek também teve de ganhar uma nova dentição.

Freddie Mercury em show do Queen - Getty Images - Getty Images
Freddie Mercury em show do Queen
Imagem: Getty Images

Como explica o filme, Mercury nasceu com quatro incisivos extras, que empurravam seus dentes superiores e faziam com que eles se projetassem para fora - mas também, segundo o cantor, davam uma ressonância extra à sua voz. O ator pediu que lhe fizessem os dentes falsos meses antes de rodar o filme. Ele usava o acessório nos momentos entre as gravações da série de TV Mr. Robot, na qual também estava atuando.

O objetivo era ter certeza de que sua fala com os dentes seria natural na gravação de Bohemian Rhapsody.

Problemas de produção

Todo esse trabalho duro valeu a pena. As primeiras críticas estavam divididas sobre a qualidade do filme (Kyle Buchanan, do New York Times, chamou o filme de "uma versão glorificada de um verbete da Wikipedia"), mas todos estavam de acordo sobre a excepcional atuação de Malek.

"Se a ideia era plantar firmemente Rami Malek entre os grandes candidatos ao Oscar de melhor ator", escreveu Pete Hammond, da revista Deadline, "a missão foi cumprida". E isto é notável diante dos problemas enfrentados na produção do filme. Quando Malek entrou para o projeto, três atores principais já tinham abandonado a tarefa; vários roteiros tinham sido rejeitados e dois diretores de alto nível também já tinham deixado o barco.

Depois, faltando apenas 16 dias para o fim das gravações, o diretor Bryan Singer foi demitido por seu comportamento errático, depois de não aparecer no estúdio. Coube ao diretor Dexter Fletcher completar o projeto, entre rumores que de Singer e Malek tinham tido atritos.

O ator admitiu que teve "diferenças criativas" no set, mas considera que a troca de diretor foi um contratempo menor. A explicação padrão que Malek dá (presumivelmente, aprovada pelo estúdio), repetida em várias entrevistas, é a de que ele estava acostumado a ter múltiplos diretores nas gravações de Mr. Robot, e que por isso não teve qualquer problema com a troca de diretor em Bohemian Rhapsody.

"Não é novidade para mim", disse ele ao site especializado Collider. "Não é problema nenhum ter uma nova voz, especialmente no tiro final, quando todo mundo já está cansado", disse. Mas, se as notícias anteriores sobre o filme se focavam nos problemas de produção, depois que o primeiro trailer foi divulgado, todos só falavam sobre a grandiosa transformação de Malek.

Pergunto a Malek que parte de Freddie Mercury ele não conseguiu abandonar quando as câmeras pararam de rodar. "Creio que o espírito dele", diz Malek. "Essa recusa de ser estereotipado, de ajustar-se à norma", diz. "É um revolucionário, creio, porque me parece que ele nunca permitiu ser marginalizado ou segregado numa categoria em particular", acrescenta o ator.

"Fundamentalmente, ele fez aquilo que, como sociedade, todos aspiramos a fazer: não ser etiquetados, ser o mais autênticos o possível sem que alguém nos consiga colocar numa determinada caixa", diz ele.

"Foi repreendido por isto naquela época, mas veja agora e você se dará conta de que ele foi um pioneiro. Estava dizendo: 'Vou ser eu mesmo, e se você não gosta, que se dane!'."