O professor de música que decidiu trazer ex-alunos de volta às aulas após assassinato
O professor Roberto Ferreira ficou conhecido em 2017 por tocar e cantar para os alunos enquanto, do lado de fora dos muros da escola, acontecia um barulhento tiroteio. A escola, o Ciep Roberto Morena, fica em Paciência, na zona oeste do Rio de Janeiro, numa região onde há constantes brigas por território entre facções de tráfico de drogas e grupos de milicianos.
Menos conhecido é um projeto que Roberto segue tocando e do qual fala com grande orgulho: uma banda marcial que mistura alunos e ex-alunos. A ideia de integrar os que já tinham deixado a escola veio depois que um rapaz a quem Roberto tinha dado aula foi morto numa incursão policial.
A banda
O professor coordena há anos a banda, que antecede sua chegada à escola. A novidade que ele introduziu foi resgatar alunos egressos, que já haviam deixado a escola por terem concluído o ensino fundamental.
A proposta é mante-los ocupados e dar-lhes uma qualificação a mais. Ao falar disso, cita os egressos que entram para as Forças Armadas.
"Quando saem da nossa escola, os alunos ainda têm um tempo até irem para o Exército, então até lá eles ficam tocando e aprendendo música comigo. Faço um certificado dizendo que foram membros da banda para ajudar na carreira deles."
Roberto diz que a ideia da banda para egressos começou assim: em 2007, o professor soube que um de seus ex-alunos tinha sido assassinado.
"A gente nunca sabe bem por que - se estava metido com o crime, enfim, às vezes eles entram para ajudar a família", diz ele. O rapaz não tinha pai, a mãe passava dificuldades para criar os filhos e ele tinha muitos irmãos, segundo Roberto.
"Fato é que foi assassinado. Ele precisava de algum dinheiro, e eles são assediados (por criminosos). Ele era um bom aluno, bom de matemática. Eles (criminosos) vão acompanhando os alunos e fazem a proposta: 'você vem pra cá, você não vai dar tiro, você vai só gerenciar, controlar o computador'. Nesse caso, foi assim. O garoto não tinha nenhuma atitude anormal, alterada. Mas foi assassinado."
Naquele ano, que antecedeu uma mudança de rumos da política de segurança do Estado, 7.699 pessoas morreram de forma violenta, uma média de 21 por dia. Mais de 260 morreram na região onda fica a escola.
Foi ali que Roberto percebeu que seria útil ter uma função para os alunos quando deixassem a escola. "Tem jovens lá que já são mães, o capitão da banda é pai e compositor. É uma coisa muito bonita", diz.
Escola é porto seguro
O professor diz que, nos últimos meses, a situação no entorno da escola estava um pouco mais calma. No entanto, há poucas semanas, "teve uma guerra imensa lá", desde 5h da manhã. A escola não abriu nesse dia. "Voltou a intranquilidade. É uma política paralela, uma política deles lá (de criminosos). É luta pelo domínio de território."
Ferreira vê a escola como um "porto seguro" para os alunos. "Nós cuidamos das crianças. Fazemos um trabalho de tentar desligá-las dos traumas que elas vivem fora da escola. Elas se concentram, imaginam um futuro diferente. Conquistamos muita coisa porque as crianças veem a escola como esse porto seguro."
Segundo dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o Ciep Roberto Morena tem 403 alunos, 376 matriculados em tempo integral.
A escola oferece prática pedagógica inclusiva para 14 alunos com deficiência, tem salas com recursos multifuncionais, mas não tem professores com formação continuada em Educação Especial.
Tem biblioteca, área verde e outros espaços de aprendizagem, mas não tem laboratório de ciências.
De 2005 a 2017, viu sua nota no Ideb crescer de 3,9 para 6,1 nos anos iniciais do ensino fundamental. Já nos anos finais do ensino fundamental, vem oscilando - aumentou de 3,9 em 2007 para 4,9 em 2013, mas caiu para 4,5 em 2015. O dado de 2017 não estava disponível no site do Ideb.
Despertar vocações
Em tese, seu papel é dar aula música, mas Roberto se descreve como "um professor da multieducação, da multiplicidade de informações". Agora, por exemplo, diz que está ensinando aos alunos a ter equilíbrio, concentração e contato com a natureza fazendo torres de pedra, que ele pega perto de casa, em Xerém, um distrito de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, que ainda tem um aspecto rural.
"Na minha aula de música tem geometria, tem joguinhos, tem canto. Sou um professor despertador. Trabalho com o despertar de vocações, de ideias. Quando estou na frente de uma turma tenho certeza de que estou na frente de geólogos, músicos, matemáticos", diz ele.
"Um dia estava falando de astronomia em sala de aula. Aí um aluno levantou e disse, 'professor, fala de música!'. E eu respondi: 'do que a música não pode falar, meu filho?' A música fala de tudo."
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