Ministro da Cultura diz que 'rapidez' na prisão de Lula deve ser 'elogiada': 'Gosto de viver num país em que criminosos são punidos'
Na Inglaterra para a abertura de uma exposição, o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, 51 anos, celebrou a "rapidez" da Justiça em julgar e decretar a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Gosto de viver num país em que criminosos, que têm, naturalmente, o direito de se defenderem dentro do razoável, são punidos. Acho que isso é uma sensação que faz bem para o país e a sociedade", afirmou, em entrevista à BBC Brasil.
Nesta quarta (5), o Supremo Tribunal Federal (STF) negou habeas corpus ao ex-presidente e decidiu que ele pode começar a cumprir a pena de 12 anos e um mês de prisão. No dia seguinte, o juiz Sergio Moro expediu mandado de prisão contra Lula, que é acusado de receber, como propina, um tríplex no Guarujá (SP) pago pela construtora OAS. A defesa de Lula diz que não há provas de que ele cometeu crime de corrupção e critica a "celeridade" no julgamento e prisão do petista.
Para o ministro Sérgio Sá Leitão, o fato de processos de outros políticos investigados pela Operação Lava Jato se arrastarem, sobretudo os que estão no Supremo Tribunal Federal (STF), não deve ser justificativa para se opor à rapidez da Justiça no processo do ex-presidente. "Temos que elogiar o fato de a Justiça estar funcionando direito e temos que torcer para que funcione assim em todos os casos. Não é porque ela não funciona num caso que não deve funcionar em todos."
Sá Leitão integrou a equipe de Gilberto Gil quando o cantor e compositor era ministro da Cultura do governo Lula, de 2003 a 2008. Ele afirma que presenciou uma tentativa de corrupção quando integrava o governo petista. Segundo o atual ministro da Cultura de Temer, em 2003, um secretário do ministério tentou desviar recursos de um contrato com uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), para abastecer o caixa de campanhas do PT.
Sá Leitão afirma que, juntamente com Gilberto Gil, denunciou o caso às autoridades e recebeu muita "pressão" do governo, principalmente do então ministro da Casa Civil, José Dirceu, para abafar o caso. A BBC Brasil entrou em contato com a assessoria do PT e encaminhou e-mail, mas não recebeu resposta até a publicação desta entrevista.
Leitão é jornalista, com mestrado em políticas públicas, e já foi diretor da Agência Nacional de Cinema (Ancine). Antes de se tornar ministro, era muito ativo nas redes sociais. Volta e meia publicava críticas a personalidades do mundo político. Até seu atual "chefe"- Michel Temer - já foi alvo de tuites e postagens. Em 2016, por exemplo, Leitão escreveu no Instagram que podia "dormir em paz" por não ter votado na "chapa Dilma-Temer". "Não sou responsável por Dilma, por Temer ou Eduardo Cunha", postou.
Perguntado pela BBC Brasil se tem "dormido em paz" desde que assumiu o Ministério da Cultura no governo Temer, ele respondeu: "Sim, sem dúvida. Eu me referia a questões relacionadas ao governo passado."
O ministro também defendeu fixar "faixa etária" para exposições e disse que a arte deve ter "liberdade", mas "com responsabilidade". "Temos que frisar muito que não pode haver censura e restrição. Agora, isso não significa que os atores estão fora de leis e regras. É preciso ter liberdade com responsabilidade."
Sá Leitão participou nesta quarta (5) da abertura da exposição "A Arte da Diplomacia: Modernismo Brasileiro Pintado para a Guerra", que reúne obras de artistas como Di Cavalcanti, Burle Marx e Lasar Segall doadas pelos próprios artistas à Inglaterra na década de 1940 como forma de manifestar o apoio do Brasil ao Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial. Veja os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - Uma produção brasileira atual que vem mobilizando debates, inclusive no meio político, é a série Mecanismo, do Netflix. Como o senhor vê a polêmica envolvendo essa série, especialmente quanto à mistura de ficção com realidade ao retratar os fatos relacionados à Operação Lava Jato?
Sérgio Sá Leitão - Em relação a esse ponto específico acho que tem um "disclaimer" em cada episódio dizendo que é uma série ficcional inspirada em fatos reais. Não podemos exigir de um conteúdo ficcional que seja uma reprodução exata da realidade, senão seria um documentário, não uma obra de ficção. É uma obra que reflete a excelência do audiovisual brasileiro. Tem valor de produção altíssimo. É uma série muito bem realizada. Acho que essa controvérsia só serviu para divulgar a série e atrair mais público para ela, o que é positivo.
BBC Brasil - Acha que é superestimar a capacidade da série quando dizem que ela é capaz de manipular a opinião pública quanto a partidos e candidatos?
Sá Leitão - Acho que isso não é superestimar a série, é subestimar a inteligência das pessoas. As pessoas são submetidas a uma série de estímulos e influências o dia todo: o que elas leem nos jornais, ouvem no rádio, veem na televisão, ficção, realidade, jornalismo... Enfim, não importa. Cada um tem seu senso crítico, seu background educacional. Acho que temos que respeitar a inteligência e autonomia das pessoas. Não vejo como uma série pode influenciar no processo eleitoral.
BBC Brasil - Por falar em Lava Jato, o assunto do dia hoje é decretação de prisão do ex-presidente. O que o senhor achou da decisão do Supremo e agora do mandado de prisão expedido pelo juiz Sergio Moro contra Lula?
Sá Leitão - O que eu vejo é que a democracia, o Estado de Direito, e a Constituição, estão funcionando no Brasil, estão se consolidando e acho que cabe a todos nós respeitar as decisões do Judiciário. Claro que cada um pode ter sua opinião pessoal sobre isso, mas temos que respeitar as instituições e as leis e vejo que isso está funcionando. Penso que esse foi um episódio que contribuiu para consolidar a democracia e o Estado de Direito e o império das leis.
BBC Brasil - Especialistas questionam este mandado de prisão menos de 24 horas depois da decisão do Supremo, comparando com o que costuma acontecer, de esperar a apresentação de embargos de embargos ao tribunal (que condenou). O senhor acha que foi muito célere ou não?
Sá Leitão - O que eu penso é que um dos maiores problemas hoje no Brasil é a questão da impunidade. O Brasil é um país onde há centenas, talvez milhares de casos de crimes comprovados que eventualmente até são julgados, mas os criminosos não chegam a ser punidos, porque há tantos embargos, tantas medidas protelatórias, e isso acaba levando à prescrição dos crimes. Gosto de viver num país em que criminosos, que têm naturalmente o direito de se defenderem dentro do razoável, são punidos. Acho que isso é uma sensação que faz bem para o país e a sociedade. Temos que elogiar o fato de a Justiça estar funcionando direito e temos que torcer para que funcione assim em todos os casos.
BBC Brasil - Justamente sobre esta questão da celeridade, outra crítica é que nem todos os processos da Lava Jato andam com rapidez, principalmente processos que correm no Supremo, de pessoas com foro privilegiado. O presidente Michel Temer, por exemplo, foi denunciado duas vezes e o Congresso barrou a abertura da ação penal. Como o senhor vê casos como este?
Sá Leitão - Acho que é um processo que tem idas e vindas, fluxos e refluxos de consolidação da democracia e do Estado de Direito. Nem todas as instituições funcionam perfeitamente ou adequadamente. Não vejo que haja preferência nisso. Não. Depende das circunstâncias e dos casos. Agora, acho que temos que valorizar quando elas funcionam. Não é porque elas não funcionam num caso que não devem funcionar em todos. É aquela coisa: miséria para todos? Não. Queremos democracia, Estado de Direito e Constituição para todos. Acho importante valorizar os bons exemplos. Que maravilha que a Justiça está funcionando neste caso e já funcionou bem em outros casos. Que pena, que lástima que não funcionou bem em outros casos.
BBC Brasil - O senhor fez parte do Ministério da Cultura no governo Lula, na equipe de Gilberto Gil. O senhor viu corrupção ou algum sinal de irregularidade em algum momento, nas relações com os outros entes do Executivo e com o Congresso?
Sá Leitão - Sim. Tivemos, no âmbito do Ministério da Cultura, uma manifestação daquilo que depois ficou conhecido como o escândalo do mensalão. Foi uma crise interna do Ministério da Cultura. Na época, eu, o então secretário-executivo, Juca Ferreira, e o ministro Gilberto Gil nos posicionamentos frontalmente contra isso. Recolhemos provas e encaminhamos aos órgãos de controle e à Justiça. E também exoneramos os responsáveis. Na época, não tínhamos ideia do que era aquilo e que era algo sistêmico. Achamos que, ao tomar a providência com relação àquelas pessoas, estávamos resolvendo isso. Depois, quando veio à tona o escândalo do mensalão, eu pude perceber que o que tínhamos encontrado no Ministério era um braço daquele grande esquema de corrupção entranhado no governo. Mas não aconteceu no caso da Cultura. Nós percebemos e tomamos as providências.
BBC Brasil- Que irregularidade era?
Sá Leitão - Era um desvio de recursos para uma OSCIP e esses recursos provavelmente iriam alimentar caixa de campanha.
BBC Brasil- De qual partido?
Sá Leitão - Do PT.
BBC Brasil- Quem estava envolvido nisso?
Sá Leitão - Na época era um secretário do ministério. Ao detectar essa possibilidade, nós impedimos que o mal feito acontecesse. A pessoa responsável foi exonerada e o caso foi entregue aos órgãos de controle.
BBC Brasil - Havia o envolvimento de algum político ou parlamentar nesse caso, algum pleito de algum político?
Sá Leitão - Houve uma tentativa de acobertamento por parte de setores do governo
BBC Brasil- Que setores?
Sá Leitão - Fomos bem pressionados na época pela Casa Civil e outras áreas do governo. Tudo isso foi relatado às autoridades e, no que estava no nosso alcance, as providências foram tomadas.
BBC Brasil- No caso da Casa Civil, o próprio ministro interveio?
Sá Leitão - Nós tivemos, na época, fortes pressões vindas de vários lados em relação a isso, o que nos fez perceber que aquilo era parte de uma coisa maior.
BBC Brasil- Foi em que época?
Sá Leitão - Foi em 2003. Na época, na Casa Civil era o José Dirceu.
BBC Brasil - Ministro, em abril de 2016, quando o impeachment estava em curso, o senhor escreveu no Instagram: "Não votei na chapa Dilma-Temer […] Não sou responsável por Dilma, por Temer ou por Eduardo Cunha. Por isso… Durmo bem à noite". O senhor tem dormido bem desde que assumiu o Ministério?
Sá Leitão - Sim, sem dúvida. Eu me referia a questões relacionadas ao governo passado. Acho que este governo é um governo que tem sido coerente e competente na realização das reformas de que o Brasil precisa. E que no período de realização deste governo não tivemos nenhum escândalo ou denúncia. Tudo o que estamos assistindo hoje diz respeito a fatos do governo anterior. O que vemos é um grande compromisso com a qualidade da gestão, com a racionalidade, uma preocupação em acabar com a recessão e fazer as reformas de que o Brasil precisa. Me sinto muito bem participando desse governo, tenho uma afinidade de visão com o que está acontecendo neste governo. E tenho procurado fazer o melhor trabalho possível para a cultura brasileira.
BBC Brasil - Então, embora o senhor tenha mencionado especificamente o nome Temer, o senhor estava se referindo só a Dilma?
Sá Leitão - Estava me referindo ao governo no qual o presidente Temer era vice-presidente. Agora, ele não tinha responsabilidade direta sobre as coisas que estavam acontecendo. No Brasil, o papel de um vice-presidente é muito limitado. Ele compõe a chapa, substitui o presidente, mas o poder de que o vice-presidente dispõe é pequeno. Temos uma espécie de presidencialismo imperial em que muitos poderes estão concentrados no presidente.
BBC Brasil - O senhor já defendeu várias vezes, no passado (antes de tomar posse), a Lava Jato e a investigação de Eduardo Cunha, Temer e Lula. Como o senhor se sente, como parte do governo atual, diante do fato de que as denúncias contra Temer estão paralisadas e que pessoas muito próximas a ele acabaram sendo presas?
Sá Leitão - Olha, acho que as instituições precisam funcionar. Todos os malfeitos devem ser apurados, investigados. A Justiça deve funcionar, o Ministério Público, a polícia... As pessoas consideradas responsáveis devem ser processadas, julgadas e punidas. Só assim vamos conseguir construir um Brasil com que o brasileiro sonha. Esse é o Brasil com que sonho e procuro construir.
BBC Brasil - Então, independentemente das denúncias, o senhor faz o seu trabalho e deixa correrem as investigações em paralelo?
Sá Leitão - Eu sou responsável pelo Ministério da Cultura. Essa é minha responsabilidade e por essa responsabilidade eu tenho um zelo total e absoluto. Tenho 15 anos dedicados à administração pública. E me sinto bastante orgulhoso. Não tenho um processo, um inquérito, uma menção em tribunal de contas, absolutamente nada. E sempre zelei pelo mais absoluto rigor com a coisa pública. E agora não é diferente. É uma característica do meu trabalho. Não acho que seja um grande mérito. Deveria ser assim em toda a administração pública.
BBC Brasil - Voltando a falar de cultura. Como o senhor vê atitudes como as do prefeito do Rio de Janeiro de vetar a exposição Queermuseu no Museu de Arte do Rio e os comentários do prefeito de São Paulo, João Doria, de que a arte deve respeitar a família e as religiões. Não é perigoso que os agentes públicos fixem limites assim à arte?
Sá Leitão - Essa é uma ideia complexa, que precisa ser aprofundada. Eu defendo a mais absoluta liberdade para a criação e difusão da obra de arte. Mas temos que ter em mente que para tudo há limite. Não podemos aceitar, por exemplo, que um homicídio seja cometido em nome da arte. Não podemos aceitar que numa performance seja cometido um assassinato. Independentemente do segmento, o que está previsto na Constituição e nas leis do Brasil vale para tudo e para todos. Não dá para imaginar que algum setor esteja fora.
BBC Brasil - Mas o que eles questionaram foi o uso de atores nus ou de elementos religiosos na arte.
Sá Leitão - Sem dúvida. Por isso é que acho que a gente tem que recorrer às leis. Nossa Constituição assegura liberdade de expressão e manifestação e que não há censura. É no quadro da Constituição que temos que analisar esses casos. Temos que frisar muito que não pode haver censura e restrição. Agora, isso não significa que os atores estão fora de leis e regras. É preciso ter liberdade com responsabilidade.
BBC Brasil - O senhor já defendeu que as exposições tenham classificação indicativa obrigatória. E cogitou incluir na Lei Rouanet um artigo que veta repasses a projetos que produzam a sexualização precoce de crianças e adolescentes ou apologia ao crime. Em que pé estão essas ideias?
Sá Leitão - Essa questão da Lei Rouanet foi uma proposta feita pela Frente Parlamentar Cristã. Nós empreendemos um processo de reflexão e debate sobre a Lei Rouanet com o intuito de regulamentar a lei. Conversamos com todos os segmentos da sociedade, não apenas da cultura. Foram dezenas de reuniões dos mais diferentes segmentos. Essa foi uma proposta da frente parlamentar cristã que, no final das contas, decidimos que não era adequada. A Lei Rouanet é muito clara em vetar avaliação sobre o conteúdo dos projetos. Não cabe isso ao Ministério da Cultura. Cabe a nós verificar se os projetos são culturais e se os orçamentos são adequados.
BBC Brasil - Então, isso foi descartado?
Sá Leitão - Foi absolutamente descartado ao longo do processo. Mas acho que numa democracia precisamos ouvir todos os segmentos.
BBC Brasil - E a questão de exigir classificação etária (nas exposições)?
Sá Leitão - A classificação indicativa me parece um mecanismo bastante interessante. Temos isso no que diz respeito a cinema, games, shows. Não vejo razão para não termos para exposições. Pode ser um mecanismo de garantia à liberdade de expressão.
BBC Brasil - E quem fixaria a idade adequada para cada exposição?
Sá Leitão - Hoje cabe ao Ministério da Justiça gerir esse sistema de classificação indicativa. Há um conselho que trata desse assunto, do qual o Ministério da Cultura faz parte. O Ministério da Justiça está fazendo reuniões. Nossa opinião é que isso já pode ser feito. Não é necessário uma alteração legal. No quadro atual, já é possível. Então, o Ministério da Justiça está fazendo audiências para discutir. Acho que isso traria essas controvérsias para um patamar mais razoável. As pessoas poderão tomar uma decisão informada sobre se querem ou não ter acesso a exposições e ter uma decisão informada sobre se querem que os filhos tenham acesso.
BBC Brasil - Pensando do ponto de vista de investimentos adequados em Cultura, qual deveria ser, na sua opinião, o perfil do futuro presidente do Brasil?
Sá Leitão - Pensando em termos de perfil, o candidato à Presidência com que eu sonho é um candidato que tenha o firme compromisso com a consolidação da democracia e do Estado de Direito, que tenha uma percepção da importância da liberdade individual e liberdade econômica, que respeite o papel da iniciativa privada e que procure reduzir o tamanho do Estado. O Estado é um fardo para a sociedade. A carga tributária é altíssima. Temos que ter um Estado menor, mas mais eficiente. E um presidente comprometido com as reforças estruturais. Acho que precisamos pensar no país menos em nomes e mais em programas. Precisamos pensar em projeto de país e não projetos de poder ou de ambições individuais.
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