O palácio de Saddam que virou o 1º museu inaugurado no Iraque em décadas
Quando Yazan Fadhli se apresenta a alguém e diz que nasceu no Iraque, logo se vê atolado em perguntas sobre Estado Islâmico, violência sectária, armas químicas e carros-bombas.
São poucos os que se lembram que o país também é considerado o berço da civilização, o lugar onde nasceram a matemática, a astronomia e a medicina e ainda a terra que abrigou grandes impérios antigos conhecidos por suas contribuições para a ciência, a arte e a arquitetura.
"O Iraque tem uma importância histórica por muitas razões, mas a maior delas é o fato de abrigar regiões onde surgiram algumas das civilizações mais antigas do mundo", afirma Seth Cantey, professor de política da Universidade Washington e Lee, no Estado americano da Virgínia.
Mas não é por esse ângulo que o resto do mundo vê esse país árabe, que aparece com frequência no noticiário há décadas - na maioria das vezes por motivos nada bons.
"Por causa das guerras que sofremos desde os anos 80, a imprensa e o governo americano se concentram mais no lado ruim do país e menos em sua história", aponta Fadhli, que nasceu em Bagdá e trabalhou como tradutor para o Exército dos Estados Unidos até se mudar para lá, em 2008.
"Sai tirania, entra humanidade"
Mas um novo museu está tentando mudar essa percepção. Localizado em uma das cidades que mais fatura com o petróleo em todo o Iraque, o Museu de Basra abriu suas portas em setembro - é o primeiro a ser inaugurado no país em décadas.
Mas o local onde o museu foi instalado é que está chamando a atenção em todo o mundo: o antigo Palácio do Lago, uma construção em falso estilo rococó que serviu como uma das quase 100 opulentas residências de Saddam Hussein durante seu governo.
Qahtan al-Obaid, diretor do espaço cultural, disse à agência Associated Press que escolheu o lugar de propósito, "para substituir a ideia de ditadura e tirania por ideias de civilização e humanidade".
O museu é o resultado de um projeto de oito anos para recontar a história do sul do Iraque e ajudar a reanimar a vida cultural de Basra.
Ameaças de xiitas
Por falta de verba, apenas uma parte da exibição foi aberta - uma galeria que mostra artefatos com mais de 2 mil anos de idade, incluindo moedas de prata cunhadas na cidade, objetos em cerâmica, cofres e azulejos.
Quando for concluído, o museu terá outros três saguões exibindo até 4 mil itens dos períodos babilônico, assírio, sumério e islâmico da história iraquiana.
Apesar de a inauguração ter sido um sucesso, Al-Obaid teve que superar uma série de obstáculos para chegar até ela.
Em abril, grupos de milícias xiitas ameaçaram tomar o antigo palácio, que ainda apresenta marcas de carros-bombas detonados quando as forças britânicas o usaram como base após a invasão do país, em 2003.
Portas de aço
Décadas de um governo autoritário, invasões estrangeiras, conflitos sectários e, mais recentemente, a ascensão do Estado Islâmico deixaram boa parte do Iraque pontilhada de bombas.
Os confrontos provocaram o desaparecimento de peças da Antiguidade, além de terem acabado com instalações de infraestrutura e prédios de instituições civis.
Depois da retirada dos britânicos, em 2008, Al-Obaid e outros iraquianos enfrentaram anos de campanha, burocracia e levantamento de verba para transformar o palácio em museu.
Alguns elementos novos lembram que ainda há muitos desafios pela frente, como as pesadas portas de aço instaladas na entrada de cada galeria, capazes de serem vedadas em caso de tentativa de saques ou roubo.
Mas são justamente esses desafios que fazem do Museu de Basra um orgulho para os iraquianos.
"O museu vai ajudar os iraquianos a entender melhor sua própria história e a mostrar ao mundo uma imagem diferente do Iraque", diz Fadhli.
"É uma luz no fim de um túnel muito escuro. Sem a história, não há futuro. E o museu nos faz lembrar que não devemos desistir da esperança."
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