Primeiro livro dos EUA pode atingir recorde de R$ 67 milhões em leilão
Especialistas acreditam que um livro que vai a leilão nesta terça-feira (26) nos Estados Unidos pode ser vendido por até US$ 30 milhões (cerca de R$ 67 milhões) --superando o recorde atual, estabelecido no leilão de outro livro em 2010. O possível novo recordista, intitulado Bay Psalm Book ("O Livro de Salmos da Baía", em tradução livre), de 1640, é o primeiro livro que se tem notícia que foi impresso no território hoje ocupado pelos Estados Unidos.
Hoje só se conhece a existência de 11 cópias, e a uma igreja da cidade de Boston, a Old South Church, decidiu vender uma de suas duas cópias em um leilão da Sotheby's em Nova York. A Sotheby's estima que o valor mínimo pelo qual o livro será vendido é US$ 15 milhões (aproximadamente R$ 34 milhões).
O recorde atual de livro mais caro vendido em leilão, certificado pelo Guinness World Records, é de US$ 11,5 milhões (R$ 26 milhões), pago há cerca de três anos por uma cópia rara do livro Birds of America ("Aves da América", em tradução livre) de John James Audubon, publicado pela primeira vez entre 1827 e 1838.
Uma cópia do Bay Psalm Book vendida em 1947 por US$ 151 mil (aproximadamente R$ 344 mil), superando os valores pagos na mesma época por uma Bíblia do Antigo Testamento de Gutenberg, por um First Folio, a primeira coleção publicada das peças teatrais de Shakespeare, e pelo Birds of America.
Livros e manuscritos valiosos
"Codex Leicester" Livro de anotações de Leonardo da Vinci escrito à mão. Datado do século 16, foi vendido por US$ 30,8 milhões (R$ 70 milhões) em 1994 |
"Rothschild Book of Hours" Livro ilustrado de orações escrito à mão. Datado do início do século 16, foi vendido por US$ 14,3 milhões (R$ 32 milhões) em 1999 |
"Magna Carta" Amplamente distribuído, porém escrito à mão e não encadernado. Uma cópia do século 13 foi vendida por US$ 21,3 milhões (R$ 48 milhões) em 2007 |
"Birds of America" Livro de desenhos coloridos feitos à mão pelo naturalista e pintor John James Audubon. Datado do início do século 19, foi vendido por US $ 11,5 milhões (R$ 26 milhões) em 2010 |
História
A previsão milionária para o leilão do Bay Psalm Book não é baseado apenas em sua extrema raridade, mas também no que representa como símbolo da identidade dos Estados Unidos. Poucos anos depois da "grande migração" puritana da Inglaterra para a baía de Massachusetts em 1630, os colonos se comprometeram com um ambicioso projeto, o de escrever e imprimir seu próprio livro de Salmos.
Eles já tinham livros de Salmos, mas, sendo reformistas que abraçaram o canto congregacional, eles queriam uma tradução do Livro dos Salmos que fosse ao mesmo tempo mais próxima do original em hebraico e escrita em verso. Uma máquina de impressão - provavelmente obtida clandestinamente para burlar leis em vigor na Inglaterra - chegou de Londres em 1638, juntamente com papel suficiente para imprimir centenas de livros.
Embora o homem que levantou fundos para a compra da máquina e do papel, o reverendo Jose Glover, tenha morrido durante a viagem, sua viúva se estabeleceu em Cambridge, Massachusetts, onde ela abriu a editora. A máquina era operada por Stephen Day, um trabalhador escravo do casal Glover e um serralheiro por profissão. Em 1640 ele imprimiu cerca de 1,7 mil cópias do livro de 300 páginas Whole Book of Psalmes Faithfully Translated into English Metre, vulgarmente conhecido como oBay Psalm Book.
O volume foi colocado em uso por congregações em toda a colônia. Apesar do texto ter sido reimpresso mais de 50 vezes ao longo do século seguinte, a maior parte das primeiras edições do livro ficou gasta depois de algumas décadas. "É um livro que não foi criado para ser mais luxuoso, suntuoso ou precioso", diz Derick Dreher, diretor da Biblioteca Rosenbach na Filadélfia, uma das poucas instituições que possuem uma cópia do Bay Psalm Book.
"Mas como as congregações para as quais o livro foi criado o usavam até gastar, muitas poucas cópias sobreviveram. Nós temos documentos que datam do século 19 que falam sobre o que as pessoas estavam dispostas a fazer para conseguir uma cópia do livro", conta Dreher.
Críticas
O Bay Psalm Book ganhou prestígio apesar de inicialmente ter sido criticado por sua qualidade. Há 200 anos, o editor e autor Isaiah Thomas notou que o livro estava "repleto de erros de digitação" e "não tem um bom acabamento. O responsável por compor o livro não devia estar totalmente familiarizado com a pontuação."
As estranhas traduções do Bay Psalm Booktambém têm atraído críticas. Os estudiosos e pastores que conceberam o livro reconhecem no prefácio que, "ao traduzir as palavras hebraicas para a língua inglesa, priorizaram a consciência e não a elegância, e a fidelidade em vez de poesia."
John Hoover, ex-presidente da Sociedade Bibliográfica da América, diz que o Bay Psalm Book, que inclui algumas letras hebraicas, reflete o alto nível de erudição na colônia. A linguagem usada "tem um tom puritano estranho - é um gosto adquirido", disse.
Significado
Em 1700, Boston já tinha ultrapassado as inglesas Oxford e Cambridge e se tornado o segundo centro mais ativo em publicação de livros em inglês depois de Londres. E, embora os puritanos da Baía de Massachusetts não terem sido separatistas ou democratas, o seu espírito pioneiro e sua busca pela liberdade são associados à luta pela independência dos Estados Unidos, em 1776, e à identidade da nova nação.
"Foi um ato de independência ir a Massachusetts e criar sua própria sociedade com sua própria versão do Cristianismo, e eu acho que você pode desenhar uma linha bastante direta com os eventos de 1776", diz David Redden, que como chefe do departamento de livros da Sotheby's irá conduzir o leilão de terça-feira.
O significado histórico doBay Psalm Book é fortemente sentido na Old South Church, onde Benjamin Franklin, um dos patriarcas dos Estados Unidos, foi batizado, e onde as reuniões que deram início ao Tea Party de Boston aconteceram. Isso tornou difícil a decisão de leiloar uma cópia, mas os líderes da igreja argumentaram que era necessário para pagar custos operacionais, e receberam forte apoio da congregação em uma votação.
"A questão é que nós não somos um museu", diz Tom Grant, membro da administração da igreja. "Nosso compromisso é com a missão, com a justiça social, e em servir o povo de Deus. E guardar um tesouro não é promover a missão da igreja."
No leilão da terça-feira, será a primeira vez desde 1947 que o Bay Psalm Book chegará ao mercado. E pode ser a última. A Old South Church diz que não tem planos de vender sua última cópia, e os outros nove livros são itens de valor em grandes coleções e bibliotecas.
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