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Museu de Londres celebra obra "extraordinária" de Mira Schendel

Thomas Pappon

Da BBC Brasil em Londres

16/10/2013 06h38

Com uma exposição espalhada por 14 salas, a galeria Tate Modern, um dos mais importantes museus de arte contemporânea do mundo, está trazendo ao público britânico a maior retrospectiva já realizada de Mira Schendel, artista-chave da arte moderna brasileira.

"Espero que essa mostra ajude a demonstrar como ela é extraordinária", disse à BBC Brasil a curadora da Tate Modern Tanya Barson.

Para Barson, Schendel era "idiossincrática, ímpar, e apesar de ter aspectos de seu trabalho se referenciando no modernismo — ela foi influenciada por Giorgio Morandi e Paul Klee (ambos pintores europeus) — fez algo bem pessoal, uma investigação na filosofia do 'ser' através do objeto de arte".

O trabalho dela é marcado, segundo a curadora, pelo "extraordinário sentido de delicadeza, de equilíbrio entre o ser (existir) e o nada, não há nada desmaterializado no seu trabalho, ele está no limite entre algo desse mundo e de outro mundo, é um trabalho audacioso, na forma como ela o leva a esse limite".

"Mulher de preto"

Em cartaz na Tate Modern — o museu de arte moderna mais visitado do mundo, com quase 5 milhões de visitantes a cada ano — até meados de janeiro de 2014, a exposição, que traz cerca de 250 obras, muitas delas nuncas mostradas ao público antes, foi recebida com entusiasmo pela crítica especializada britânica.

"O trabalho (de Schendel) é bonito, melancólico, irreverente e tão delicado que pode ser levado por um sopro", disse o Observer.

"Nem sua vida nem sua arte oferecem respostas fáceis", escreveu o Guardian, "e é por isso que ambos permanecem tão intrigantes e que está na hora, mais de duas décadas após sua morte, de Schendel se tornar tão conhecida e respeitada aqui como é no país que escolheu para ser seu lar".

"Finalmente ela irrompe na cena artística britânica", diz o Independent, que chama a artista de "a mulher de preto" e a descreve como "tempestuosa...que aborda os mitos e estruturas míticas que nos cercam - identidade, religião, linguagem -, mas cuja própria trajetória é extrema e contraditória".

"Mira pode nunca ter se encontrado, mas essa exposição deve apresentá-la - ou pelo menos sua busca - a um novo público britânico".

Em grandes reportagens nos cadernos de arte e cultura, os jornais introduzem Schendel como "refugiada do nazismo" que se mudou para o Brasil em 1949 e exerceu um papel importante na assimilação e reinvenção, no país, da arte moderna europeia.

Em São Paulo, onde se estabeleceu, em 1953, e viveu até sua morte, em 1988, ela fez parte de um grupo de intelectuais, muitos deles imigrantes europeus como ela — como o físico Mario Schenberg e o filósofo Vilém Flusser — e passou a se dedicar freneticamente à arte. Varava as noites na cozinha de sua casa, no bairro de Santo Amaro, pintando, desenhando, escrevendo, cortando, colando, modelando, gravando, fazendo cadernos - usando todo um arsenal de trabalhos manuais, de Letraset a furadores -, cortando painéis de acrílico e fumando sem parar.

Os jornais britânicos são unânimes em ligar a arte de Mira a sua vida pessoal, dizendo que o senso de deslocamento emocional e a fragilidade de sua obra podem ter suas raízes na relação conturbada com a mãe, Ada - e mais tarde, com a filha única, que recebeu o mesmo nome da mãe - e na falta de referências claras de identidade e nacionalidade: por quase toda a sua vida, ela se sentiu estrangeira.

Nascida na Suíça em 1919, ela se mudou com a mãe para a Itália, onde teve educação católica, mas de onde teve que fugir, supostamente por ter antepassados judeus. Ela viveu alguns anos em Sarajevo, na antiga Iugoslávia - hoje capital da Bósnia -, depois voltou para Roma, antes de se mudar para o Brasil. Segundo a filha, Ada, Mira falava alemão, italiano e português, "mas nenhuma delas (as línguas) sem acento".

Colecionadores

Segundo Tanya Barson, curadora da exposição na Tate Modern e que passou quase uma década pesquisando a obra de Mira Schendel ("uma obsessão minha", disse ela à BBC Brasil), "mais ou menos 90%" das obras da artista pertencem a colecionadores privados.

"Visitamos o máximo de colecionadores possível, isso é crucial para a pesquisa, já que não há muitos museus com obras dela" contou ela. "Os colecionadores foram extraordinariamente generosos, ficaram extremamente entusiasmados com a ideia da exposição na Tate."

Schendel é a terceira artista brasileira do século 20 a ganhar exposição individual no museu londrino nos últimos anos, depois de Hélio Oiticica (2007) e Cildo Meireles (2008).

Da Tate Modern, a exposição segue para a Pinacoteca de Estado, em São Paulo.