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Escritor russo mais conhecido no exterior suspende romance para se dedicar à política

Escritor Boris Akunin em entrevista em Moscou (7/3/12) - AP
Escritor Boris Akunin em entrevista em Moscou (7/3/12) Imagem: AP

19/03/2012 12h13

A nova classe média russa está mudando o cenário político no país, na opinião de um dos mais proeminentes porta-vozes da oposição, o autor Boris Akunin.

Indignado com o autoritarismo e a corrupção em na Rússia, Akunin, o escritor contemporâneo russo mais conhecido no exterior, resolveu suspender o trabalho em um romance para se dedicar à política. O autor foi uma das figuras de destaque nas campanhas da oposição para as eleições presidenciais na Rússia, no início deste mês.

"A sociedade russa está mudando: surgiu no país uma classe média que não existia antes e que está se tornando mais forte e influente. Essas pessoas não apreciam o fato de não ter voz alguma na política", disse ele em entrevista à BBC Brasil, no Salão de Livros de Paris.

Akunin estava morando e trabalhando em Paris no final do ano passado, mas resolveu retornar ao seu país depois da prisão em massa de vários manifestantes que protestavam contra o resultado das eleições parlamentares em dezembro passado.

Akunin suspendeu o romance que vinha escrevendo, sobre a Revolução Russa de 1917, e se juntou à oposição, durante as campanhas para as eleições que acabaram levando o premiê Vladimir Putin de volta à Presidência.

O presidente eleito chegou a propor um encontro com Akunin, o que não ocorreu até agora.

Boris Akunin é o pseudônimo literário de Grigory Chkhartishvili, nascido em 1956 na Geórgia, quando a República fazia parte da então União Soviética.

Ele resolveu se dedicar à literatura em 2000, depois de trabalhar como tradutor e historiador especializado em Japão na Universidade de Moscou. Sua principal criação é o detetive Erast Fandórin, personagem central de 12 romances policiais, todos ambientados na Rússia czarista, do final do século 19 ao início do século 20.

As aventuras de Fandórin, que chegou a ser descrito como uma mistura de Sherlock Holmes, Hercule Poirot, Maigret e James Bond, foram traduzidas para mais de 30 países, entre eles o Brasil, onde a editora Objetiva lançou os cinco primeiros livros da série: "Rainha do Inverno", "A Jogada Turca", "Leviatã", "A Morte de Aquiles" e "Valete de Espadas".

Apenas na Rússia, a série vendeu mais de 15 milhões de livros. Ele possui também uma vasta legião de fãs no exterior, em particular na Europa, onde a prosa de Akunin é constantemente comparado a Tolstói, Gogol e Conan Doyle.

Três de seus livros foram adaptados para o cinema na Rússia.

BBC Brasil - A sociedade russa saiu da letargia política dos últimos anos, como foi visto nas recentes manifestações em Moscou. O que levou a esse despertar da sociedade em relação à democracia?

Boris Akunin – Há duas razões. Há uma rejeição crescente de uma parte da população em relação ao autoritarismo de Vladimir Putin. Isso está associado ao fato de que o sistema é realmente corrupto. Putin também cometeu vários erros ao lidar com os inúmeros problemas da sociedade. A segunda razão é que a sociedade russa está mudando: surgiu no país uma classe média que não existia antes e que está se tornando mais forte e influente. Essas pessoas não apreciam o fato de não ter voz alguma na política. A classe média tem cada vez mais demandas e o sistema de governo está cada vez mais decadente.

BBC Brasil - O sr. acha que em razão da pressão popular o Putin governará de forma menos autoritária e fará reformas democráticas, permitindo a liberdade de expressão e de imprensa?

Boris Akunin – Uma parte da opinião pública está determinada a exigir mudanças importantes na política para obter o compartilhamento do poder. Ela não vai se contentar com reformas superficiais. Vamos saber muito em breve se Putin será ou não capaz de realizar reformas profundas.

BBC Brasil -Por que as populações das regiões que mais se beneficiaram da expansão econômica, graças a Putin, são justamente as que protestaram nas ruas? Isso não é surpreendente?

Boris Akunin – Não. Isso é a natureza humana. Quando você passa fome e não tem onde morar, você aspira mais a satisfazer as necessidades básicas do que obter o reconhecimento da sua dignidade. Apenas quando as pessoas atingem um certo padrão de vida é que elas passam a reivindicar direitos e não querem ser tratadas como lixo. É isso que está acontecendo na Rússia.

BBC Brasil -O sr. acha que a sociedade russa está dividida em duas: de um lado uma classe emergente que descobre o mundo ocidental e, de outro, populações das áreas rurais pobres e afastadas, que apoiam Putin?

Boris Akunin – A população rural representa uma pequena parte da sociedade russa hoje. Há dez anos, a classe média representava 10% da população. Hoje, segundo estatísticas, ela totaliza 30%. É como um relógio de areia. A parte que está embaixo vai aumentando a cada segundo. A classe média está crescendo e se tornando mais forte. Ela reside na capital, lugar onde se determina a política do país.

BBC Brasil - Putin disse que gostaria de encontrá-lo. O sr. pretende aceitar o convite?

Boris Akunin – Não levei isso a sério. Eu acho que é uma propaganda política. Não vejo por qual motivo ele aceitaria ouvir coisas desagradáveis da minha parte em frente às câmeras de TV.

BBC Brasil - O sr. sofreu ameaças, como ocorreu com jornalistas e personalidades da oposição? O fato de ser um dos escritores russos contemporâneos mais conhecidos no mundo pode ajudar ou torna as coisas mais difíceis para o sr. como figura importante da oposição?

Boris Akunin – Eu não sei. Eu acho que ajuda. No momento, não é importante para nós o que o resto do mundo pensa em relação ao que ocorre na Rússia. Nós não estamos procurando apoio, embora ele seja benvindo. Se fracassarmos em construir uma sociedade democrática na Rússia, a responsabilidade será nossa. O problema é nosso, somos nós que temos de resolvê-lo.

BBC Brasil - Os livros da série Fandórin são histórias de detetives, mas o que atrai muitos leitores, sobretudo internacionais, é o fundo histórico. Como o sr. compararia a Rússia na qual vive o personagem – com os conflitos do período czarista – com a Rússia do período Putin?

Boris Akunin – Há incontestavelmente nas minhas obras alusões a Rússia atual. No entanto, eu descrevo às vezes situações que não poderiam ter existido na época retratada nos livros. Os leitores podem adivinhar que são anacronismos voluntários. Mesmo que as diferenças entre a Rússia atual e a do final do século 19 sejam importantes, há também semelhanças significativas. As duas épocas são caracterizadas por regimes políticos autoritários, mas que não são totalitários. O que significa que meus personagens, como os russos de hoje, têm sempre a livre escolha de agir de uma maneira moral ou imoral. O Fandórin preferiu deixar o serviço público e foi trabalhar como detetive. Tenho amigos que estavam na Academia russa de Ciências e que fizeram o mesmo (deixar o serviço pública por razões morais).

BBC Brasil - Erast Fandórin é um personagem com grande senso moral. Alguém como ele poderia existir na Rússia de hoje e trabalhar nos serviços de segurança?

Boris Akunin – Tenho certeza de que seria impossível o Fandórin trabalhar hoje nos serviços secretos ou na polícia. Mas eu acho que ele pode ser um exemplo para muitos russos e fico orgulhoso com isso. Um padre me contou que um jovem parou de roubar após ter lido meus livros.

BBC Brasil - Cinco de seus livros foram publicados no Brasil. O sr. já foi convidado para participar da Flip - Festa Literária Internacional de Paraty?

Boris Akunin -Nunca fui ao Brasil. É muito longe. Trabalho o tempo todo. Não teria vindo à França apenas para participar deste Salão do Livro. Não faço coisas desse tipo. Viajo sempre à França para escrever. Tenho um apartamento em Paris. Não conheço muita coisa sobre o Brasil, mas em um dos meus livros o Fandórin investiga um caso ligado à côrte de D. Pedro 2º.

BBC Brasil - Por que as adaptações cinematográficas dos livros da série Fandórin nunca foram exibidas na Europa ou nos EUA? Isso está ligado a algum tipo de boicote?

Boris Akunin - A produção cinematográfica russa não é boa, o nível não é elevado. Mas a principal razão é que nos últimos dez anos eu tinha um contrato com a companhia do cineasta Paul Verhoeven (dos filmes Robocop e Instinto Selvagem) que proibia que longas filmados na Rússia fossem exibidos no exterior. Mas esse contrato acabou neste ano. Talvez agora isso possa ser solucionado.