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"Derrame foi melhor coisa que me aconteceu", diz lutador que virou artista

Iracema Sodré

03/02/2012 11h28

O britânico Tommy McHugh sofreu dois acidentes vasculares cerebrais que transformaram completamente sua vida dez anos atrás. De operário de construção e lutador, ele passou a artista sensível, capaz de "chorar ao ver um inseto morrer" e, hoje, descreve os derrames como "a melhor coisa" que aconteceu em sua vida.

"Eu queria que isso tivesse acontecido quando tinha 15 anos de idade, porque aí minha vida teria sido mais honesta, mais aberta, mais livre, mais feliz, mais compreensiva", disse ele à BBC Brasil.


A extraordinária transformação de McHugh poderá agora ser vista em uma peça de teatro, que estreia este ano na Escócia.

"A experiência pela qual Tommy passou é fascinante. Os aneurismas ainda estão lá no cérebro dele e podem explodir de novo, então, ele vive no limite, sua mente está concentrada em sua arte", disse à BBC Brasil Danny Start, que escreveu a peça.

Juventude conturbada Após uma juventude conturbada, pontuada por brigas, drogas pesadas e passagens pela prisão, Tommy McHugh acordou um dia no hospital falando em rima e escrevendo poesias.

McHugh não se lembrava de nenhum de seus 11 irmãos e irmãs, de seu passado violento ou de sua esposa, Jan, que aguardava ao pé da cama.

Dois aneurismas haviam explodido nos dois lados de seu cérebro, com apenas minutos de diferença. Os cirurgiões inseriram micromolas de platina para conter o aneurisma do lado direito do cérebro e aplicaram um clipe do lado esquerdo para impedir novos danos.

A partir daí, de forma instintiva e quase compulsiva, McHugh começou a escrever, desenhar e esculpir, tentando expressar as imagens que surgiam em sua mente.

"Eu poderia escrever com as mãos direita e esquerda e com os pés ao mesmo tempo, porque havia tanta coisa saindo do meu cérebro: imagens, figuras. Era como se houvesse duas câmeras de TV, uma em cada olho, explodindo imagens o tempo todo", conta ele.

As paredes de sua casa, o teto, o chão foram cobertos com rostos e cores.

Cartas Inicialmente, McHugh ficou assustado e escreveu cartas para dezenas de médicos ao redor do mundo em busca de ajuda. Foi uma neurologista e professora da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, que começou a dar a ele algumas respostas.

Alice Flaherty, especialista nos efeitos dos danos cerebrais no comportamento humano, tinha vivido uma experiência similar à de McHugh.

Depois de uma gravidez traumática e de seus bebês gêmeos nascerem mortos, Flaherty começou a escrever compulsivamente, em qualquer superfície que pudesse.

A neurologista acredita que a compulsão pode ter sido causada por uma mudança bioquímica em seu cérebro.

"Alice me ajudou a entender o que estava acontecendo comigo e a não ser negativo com relação a isso. Ela pôde me ajudar porque ela já tinha experimentado algo parecido", disse McHugh.

Flaherty acredita que os derrames de McHugh atingiram duas partes do cérebro: a responsável pela geração de ideias e a que controla ou inibe a expressão dessas ideias para o mundo.

"A história de Tommy pode simplesmente mostrar algo especial sobre ele, que estava reprimido pelo ambiente no qual ele cresceu. Provavelmente, outras pessoas com um passado parecido poderiam ser tão criativas como ele, se tivessem uma oportunidade. Ao mesmo tempo, conheci pessoas que tiveram hemorragias na mesma área do cérebro que ele. E elas não viraram artistas", disse Flaherty à BBC Brasil.

Arte

McHugh não gosta de se classificar como um artista tradicional, porque diz não buscar a perfeição em seus trabalhos.

"Posso pintar 20 quadros em uma hora. Não estou preocupado com o que as pessoas pensam. Meu mundo é completamente diferente. Eu fico em casa e trabalho o tempo todo até dormir ou ficar completamente exausto", diz McHugh.

Em dezembro de 2011, ele teve de passar por um transplante de fígado depois de enfrentar um câncer. Apenas duas semanas depois da cirurgia, ele já estava pintando novamente.

"As pessoas entram numa rotina e esquecem de apreciar os pássaros, a grama crescendo, uma folha caindo de uma árvore. Elas não têm tempo. Quando você chega tão perto da morte algumas vezes, você passa a admirar as maravilhas da vida", diz McHugh.

McHugh hoje dá palestras em centros para pessoas com danos cerebrais e procura incentivar a criatividade dos pacientes. Ele quer também doar seu cérebro para a ciência após sua morte, para que se possa descobrir mais sobre o que exatamente aconteceu com ele.

"As pessoas ficam querendo chegar até Marte. Fiquem aqui embaixo e comecem a olhar para o cérebro."