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Para biógrafo, estilo de Saramago lembra 'conversa entre amigos'

Fabrícia Peixoto<br>Da BBC Brasil em Brasília *

19/06/2010 09h56

O estilo de narrativa "corrida" de José Saramago, quase sem pontuação e com diálogos que se sucedem com pouca ou nenhuma marcação, chegou a enfrentar "barreiras" entre o público – mas apenas na primeira impressão, diz o biógrafo do escritor português, João Marques Lopes.

"Esse estilo enfrentou barreiras apenas no início. Acredito, inclusive, que foi essa narrativa original, que parece uma conversa entre vários amigos, que conquistou o público e a crítica", diz Lopes, autor de Saramago: Biografia, lançado no Brasil no mês passado.

O autor conta que a crítica notou o estilo diferenciado de Saramago já em sua primeira prosa, Levantado do Chão, publicada em 1980. Com Memorial do Convento, de 1982, a chamada oralização da escrita de Saramago já estava consagrada.

A trajetória até o sucesso não foi fácil, diz o biógrafo. Lopes lembra que Saramago ficou 25 anos sem publicar, tendo uma de suas obras inclusive recusada pelo mercado editorial. Sua fase poética, na década de 60, também foi mal recebida pela crítica.

"Digamos que, até o fim dos anos 70, ele até era conhecido, mas não se destacava. Esse cenário mudou completamente na década de 80, com a prosa", diz.

Na avaliação de Lopes, a infância com poucos recursos e o analfabetismo na família contribuíram “fortemente” para a formação do autor, inclusive para sua afinidade com o comunismo.

"Ele era um militante de esquerda, mas não com um alinhamento cego. Inclusive brigou por maior liberdade dentro do partido comunista", diz o autor.

Presidente e premiê

O presidente de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, disse nesta sexta-feira que o escritor José Saramago era uma “referência da cultura portuguesa” e que sua “vasta obra literária deve ser lida e conhecida pelas gerações futuras”.

Cavaco Silva divulgou uma nota apenas duas horas após o anúncio da morte do autor português.

"Em nome dos portugueses e em meu nome pessoal, presto homenagem à memória de José Saramago”, disse ele.

O primeiro-ministro português, José Sócrates, afirmou que o escritor foi "um dos grandes vultos" da cultura portuguesa, acrescentando que o país se "orgulha" de sua obra literária.

"Recebi a notícia da morte de José Saramago com muito pesar. Entendo que é uma perda para a cultura portuguesa e o meu dever, neste momento, é endereçar palavras de coragem e condolências", disse Sócrates e jornalistas.

‘Mais pobre’

O líder do Partido Social Democrata, que ocupava o governo de Portugal quando o livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo foi censurado, divulgou uma declaração sobre a morte.

"Foi com profunda consternação e pesar que recebi a notícia da morte do escritor José Saramago, um dos vultos mais destacados da cultura portuguesa contemporânea. (Prêmio) Nobel de Literatura em 1998, José Saramago deixa uma obra literária atemporal", disse Pedro Passos Coelho.

"Com seu desaparecimento, Portugal fica mais pobre", acrescentou.

Em 1993, Saramago decidiu viver em Lanzarote, nas Ilhas Canárias (Espanha) por ter seu livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo vetado para o Prêmio Europeu de Literatura pelo governo do Partido Social Democrata.

O escritor morreu em sua casa em Lanzarote, ainda em seu exílio voluntário.

Escritores

A escritora portuguesa Lídia Jorge, autora de livros como O Dia dos Prodígios e Vale da Paixão, afirmou que Saramago era um escritor genial.

"Foi um exemplo de coragem, pela sua coerência", disse.

Para a escritora, seus livros favoritos do escritor são Memorial do Convento e O Ano da Morte de Ricardo Reis.

“Apesar de tudo, acho que ele morreu feliz, porque escreveu até o fim da vida, entregando-se sempre com a mesma coragem ao ofício que escreveu e acreditando piamente em suas convicções", afirmou.

‘Virada’

Para o escritor português Mário de Carvalho, Portugal perdeu o maior escritor do século 20.

"O livro Levantado do Chão foi uma obra que fez uma virada na literatura portuguesa", disse o escritor, que também considera Memorial do Convento como o romance mais marcante de Saramago.

"(Saramago) Era um homem reto, sereno e lúcido. Era muito atento aos escritores mais jovens, um homem sem prosápia ou vaidade de um grande senhor", afirmou Carvalho.

O escritor lembrou que nem mesmo o Prêmio Nobel fez com que Saramago mudasse.

"O sucesso nunca lhe subiu à cabeça, portou-se com a mesma modéstia e elevação de sempre", afirmou.

*Colaborou: Jair Rattner, de Lisboa

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