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Livro que ataca Freud e compara psicanálise à homeopatia causa polêmica na França

Sigmund Freud em foto de 1922: novo livro sobre o austríaco compara a psicanálise a uma religião - Museu Sigmund Freud/AP
Sigmund Freud em foto de 1922: novo livro sobre o austríaco compara a psicanálise a uma religião Imagem: Museu Sigmund Freud/AP

GERARDO LISSARDY

De Paris para BBC Mundo

27/04/2010 09h09

Um novo livro que acusa o pai da psicanálise, Sigmund Freud, de ser mentiroso, fracassado e defensor de regimes totalitários está criando polêmica na França.

De acordo com o filósofo francês Michel Onfray, autor de "Le Crépuscule d'une idole, l'affabulation freudienne" ("O Crepúsculo de um Ídolo, a Fábula Freudiana"), a psicanálise é comparável a uma religião e sua capacidade de curar as pessoas é semelhante à da homeopatia.

O livro começou a ser vendido nesta semana nas livrarias francesas, mas já havia começado a gerar controvérsia antes mesmo de sua publicação. Psicanalistas acusam Onfray de cometer erros e ignorar fatos para defender a sua tese.

'Necessidades fisiológicas'
O conhecido filósofo, que escreveu "Tratado de Ateologia" (publicado também no Brasil), acredita que Freud transformou seus próprios "instintos e necessidades fisiológicas" em uma doutrina com pretensão de ser universal.

Mas, para Onfray, a psicanálise seria "uma disciplina verdadeira e justa no que diz respeito a Freud e ninguém mais".
Onfray diz que Freud fracassou na cura de pacientes que ele mesmo atendeu, mas ocultou ou alterou suas histórias clínicas para dar a impressão de que o tratamento havia sido bem sucedido.

Ele afirma, por exemplo, que Sergei Konstantinovitch, indicado por Freud como "o homem dos lobos", continuou fazendo psicanálise mais de meio século depois de ter sido supostamente curado por Freud.

E diz que Bertha Pappenheim, conhecida como "Anna O." e apresentada por Freud como um caso em que o tratamento contra histeria e alucinações funcionou, continuou tendo recaídas.

Durante um debate com a psicanalista francesa Julia Kristeva publicado esta semana no jornal francês "Le Nouvel Observateur", Onfray rejeitou a noção de que o método de Freud "cura todas as vezes".

"A psicanálise cura tanto quanto a homeopatia, o magnetismo, a radiestesia, a massagem do arco do pé ou o exorcismo feito por um sacerdote, quanto nenhuma oração diante da Gruta de Lourdes (onde há relatos de que Nossa Senhora teria aparecido)", afirmou.

"Sabemos que o efeito do placebo constitui 30% da cura de um medicamento", acrescentou. "Por que a psicanálise escaparia desta lógica?"

Dinheiro, sexo e fascismo

Além de questionar o método de Freud, Onfrey criticou sua personalidade e o apresenta como alguém que foi capaz de cobrar o equivalente ao que seriam hoje US$ 600 por uma sessão, e incapaz de tratar dos pobres.

O filósofo francês diz que acredita que Freud tinha preconceito contra homossexuais e com um interesse especial em temas como abuso sexual, complexo de Édipo e incesto, e que dormia com a cunhada.

Em termos ideológicos, Onfray defende a tese de que Freud flertou com o fascismo e diz que em 1933, ele escreveu uma dedicatória elogiosa para Benito Mussolini: "Com as respeitosas saudações de um veterano que reconhece na pessoa do dirigente um herói da cultura."

Ele afirma que o criador da psicanálise procurou se alinhar com o chanceler Engelbert Dollfuss, que instaurou o "austrofascismo" no país, e também às exigências do regime nazista.

'Ódio'
O livro gerou uma onda de troca de acusações e protestos nos círculos intelectuais da França.
A historiadora e psicanalista Elisabeth Roudinesco afirmou em artigo em "Le Nouvel Observateur" que o novo texto de Onfray está "cheio de erros" e "rumores".

Roudinesco acusou Onfray de ter tirado as coisas do contexto e afirmou que Freud "de maneira alguma apoiou o fascismo e nunca fez apologia dos regimes autoritários".

"Quando sabemos que oito milhões de pessoas na França tratam-se com terapias derivadas da psicanálise, está claro que no livro e nas palavras do autor há uma vontade de causar danos", disse.

Em seu debate com Onfray, Kristeva defendeu a psicanálise como um mecanismo capaz de tratar de problemas como a histeria, o complexo de Édipo ou comportamento anoréxico ou bulímico, entre outros.

"Onfray nos insulta quando diz que a psicanálise não cura", escreveu o psiquiatra e psicanalista Serge Hefez no semanário Le Point. "O que fazemos todos nós em nossos consultórios, centros de terapia familiar, conjugal, nossos hospitais (...) senão ajudar o sujeito a se converter em ator de sua própria história?"

Hefez disse que "a psicanálise cura, é um tratamento útil e vivo praticado por milhares de terapeutas conscienciosos que conhecem fracassos, sucessos parciais e sucessos."

Onfray respondeu que várias reações contra seu livro evitam responder seus argumentos centrais e, em um artigo publicado no jornal francês "Le Monde", perguntou se era impossível fazer uma leitura crítica de Freud.

"Alguns amigos haviam me adiantado o ódio que este livro provocaria", escreveu. "Hoje eu me dou conta do quão certos estavam".