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Deivis de Campos, o brasileiro que desvenda segredos do gênio Michelangelo

O pesquisador Deivis de Campos - Reprodução/YouTube
O pesquisador Deivis de Campos Imagem: Reprodução/YouTube

Beatriz Farrugia

De São Paulo

22/03/2018 17h19

Na semana passada, o mundo da arte foi revirado com o anúncio de uma nova descoberta sobre um dos artistas mais importantes do Renascimento, o italiano Michelangelo Buonarroti. Um raro retrato seu foi encontrado em um desenho de 1525. A revelação, noticiada em jornais de vários países, foi feita em Porto Alegre, pelo brasileiro Deivis de Campos, de 38 anos.

Biólogo por formação, mestre e doutor em neurociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Campos é professor de anatomia e fisiologia na Universidade Federal de Ciências e Saúde de Porto Alegre e usa as obras de Michelangelo em suas aulas e pesquisas.

Em entrevista exclusiva à agência ANSA, Campos contou como encontrou o inédito retrato do gênio renascentista em um desenho de Vittoria Colonna, conservado atualmente pelo British Museum, em Londres, e o qual passou despercebido por especialistas em arte por cinco séculos.  

Como você chegou a essa descoberta?

Eu venho estudando Michelangelo há mais de cinco anos. De lá pra cá, consegui publicar artigos científicos sobre como Michelangelo usou razões matemáticas para suas obras, como a proporção áurea, chamada também de "Divina Proporção". 

Descoberta em obra de Vittoria Colonna - Reprodução - Reprodução
Descoberta em obra de Vittoria Colonna
Imagem: Reprodução
Em 2016, comecei a analisar outros desenhos dele, que não estavam em museus da Itália. Um deles é o retrato da poetisa Vittoria Colonna, que era uma grande amiga de Michelangelo. Foi quando me dei conta de que havia uma caricatura no meio dos traços de Vittoria. Fiquei curioso, perguntando "quem é esse indivíduo aqui?", e me lembrei que já tinha visto aquela caricatura em algum lugar.   

Portanto, comparei com poucos retratos oficiais que existem de Michelangelo, levando em consideração a proporção corporal, o ângulo, o perfil do rosto, e notei que eram muito parecidos.   

Isso aconteceu entre junho e julho de 2016. Quando percebi a caricatura, comecei a pesquisar se algum estudioso já havia documentado isso, mas não encontrei nada.

Em outubro de 2017, tive a oportunidade de viajar à Itália, percorrer Florença, visitar a Capela Sistina e museus que guardam obras de Michelangelo. Em todas as referências que busquei, vi que o retrato de Vittoria Colonna era sempre tratado como apenas o desenho de uma amiga de Michelangelo, e não como uma caricatura do próprio artista. Me dei conta de que ninguém tinha conhecimento disso.

A análise do desenho de Vittoria Colonna foi ao acaso? Ou você escolheu especificamente estudar esse desenho?

Esse desenho da Vittoria Colonna chamou minha atenção porque ela era muito amiga de Michelangelo. Como estudo as obras dele, sei que vários elementos não são colocados ao acaso, como a mão esquerda de Eva estendida para pegar a maçã entregue pela serpente na pintura da Capela Sistina, que faz referência ao significado negativo do lado esquerdo.

Detalhe da descoberta - Reprodução - Reprodução
Detalhe da descoberta
Imagem: Reprodução

Então, pensei que, muito provavelmente, tinha algo a mais naquele desenho de Colonna, deveria ser mais do que um simples desenho. As obras de Michelangelo têm sempre um simbolismo, um contexto, uma narrativa, que nem sempre estão visíveis aos olhos.  

Em seguida, você escreveu um artigo científico, que foi publicado pela revista Clinical Anatomy em 2018. Alguém contestou sua descoberta?

Quando eu submeti o artigo, ele passou por uma revisão de especialistas e ninguém contestou. A literatura clássica sobre as obras de Michelangelo não trazem nenhuma menção de caricatura no desenho de Vittoria Colonna. Algumas das poucas caricaturas reconhecidas de Michelangelo são a do rosto de São Bartolomeu, na pintura do "Juízo Final" na Capela Sistina, no Vaticano; na escultura de Pietà de Florença, em que ele se fez encapuzado no lugar de Nicodemo; e uma outra caricatura descoberta em 2009, depois da restauração da Capela Paulina, no Vaticano, na qual Michelangelo se pintou de turbante azul, no afresco da Crucificação de São Pedro.   

De onde veio seu interesse por Michelangelo?

Eu sou professor de anatomia. E a história da anatomia é atrelada ao período do Renascimento, no qual os artistas precisavam estudar anatomia para produzir a arte. Michelangelo sempre me chamou a atenção.   

O primeiro artigo que publiquei, lá em 2015, falava da "Divina Proporção" em Adão. O foco eram as proporções do corpo usadas para o esboço de um quadro de Michelangelo. Eu estava mais voltado para esse tema em minha pesquisa antigamente. Falar de Michelangelo, de anatomia, da "Divina Proporção" foi meio que juntar as peças de um quebra-cabeça ao longo da carreira.   

Agora, depois dessa descoberta, você pretende fazer novas pesquisas? Acabou percebendo mais algum detalhe nas obras de Michelangelo que também teria passado despercebido em todos esses séculos?

Meu dia a dia é dar aula e fazer pesquisa. Nos últimos cincos anos, minha pesquisa é toda voltada para Michelangelo.  Eu estou pesquisando mais coisas, sim, não vou mentir. E tem muitas coisas que não foram publicadas ainda, mas que eu preciso me aprofundar mais para ter certeza, reunir mais referências. Mas, de fato, há muitas coisas que ainda não foram publicadas, que podem dar um novo rumo, uma nova perspectiva à obra de Michelangelo.