Coral resgata autoestima de moradores de rua e conquista Rio
Em um auditório do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, um grupo de moradores de rua se reúne para cantar clássicos da música popular brasileira. Trata-se do coral Uma Só Voz, projeto que, através da música, resgata a autoestima de pessoas em situações de vulnerabilidade social.
"É um ambiente onde a gente se encontrou. É uma família, com professores maravilhosos. Todo mundo se respeita. Viver na rua é triste, mas temos esse porto que nos alegra", define Vera Lúcia da Silva, de 57 anos, que participa do coral há dois anos.
Ela sonha em ser cantora profissional e vê o coral como fonte de esperança. "Já passei por várias coisas na vida e agora a profissão que escolhi foi cantar."
Idealizado pela organização britânica British Council, o coral estreou durante a Olimpíada de 2016.
A iniciativa é gerenciada pela ONG People's Palace Projects e a Rede Internacional de Arte e População de Rua With One Voice.
Outras parcerias foram construídas, entre elas com a Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos, o Movimento Nacional de População de Rua e a Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Hoje, o coral ensaia com o apoio do programa Amigos do Museu do Amanhã.
O coral é dirigido por Ricardo Branco de Vasconcelos, 42 anos, conhecido como Rico, que assumiu a missão de dar visibilidade a pessoas marginalizadas.
"É um trabalho muito necessário para o nosso país. Você passa pela Central do Brasil e vê dezenas de pessoas jogadas como se fossem nada. Percebi que a música pode transformá-las", explica o músico.
"Comecei a ouvir as pessoas na rua e elas falavam que gostariam de ter voz. Porque, às vezes, mesmo que alguém venha oferecer comida não se senta para ouvir o que temos para falar", conta.
Foi a partir dessa perspectiva que o coral começou a se apresentar em eventos e pontos turísticos do Rio, ocupando espaços como o Theatro Municipal, Cristo Redentor e o Forte de Copacabana.
Para o secretário municipal de Assistência Social e Direitos Humanos, João Mendes de Jesus, essa iniciativa faz com que o grupo se sinta parte da cultura da cidade.
"O impacto é notório. Além de exercitar a vivência com a música popular brasileira, cria a oportunidade para que digam 'eu participo de algo de que as pessoas gostam'."
Indivíduos
Desde que assumiu o projeto, Rico percebeu que seu maior desafio não seria encontrar pessoas dispostas a participar, e sim mantê-las no coral. Para isso, precisou construir um ambiente acolhedor.
"Tem que provocar no coração da pessoa o prazer de estar ali", afirma.
No repertório, músicas que têm a ver com a vivência dessas pessoas e falam sobre superação, determinação, amor e amizade.
Rico, que conquistou a confiança dos participantes, tem sido bem-sucedido em sua missão.
Durante o ensaio, os membros do coral descrevem o projeto como uma família e definem Rico como um pai.
Ele explica que o grande diferencial foi perceber que cada pessoa acabou nas ruas por uma razão diferente e reforça a importância de enxergá-las como indivíduos.
"Questões de saúde mental, frustrações. A pessoa acaba saindo de casa e o único local que tem é a rua. Ela não cabe mais no trabalho, na escola, na sociedade", enumera.
É o caso de Edson Santos, de 58 anos, que saiu de casa em 2015 quando o filho mais novo foi assassinado e foi morar em um táxi abandonado. Há dois anos frequenta os ensaios, onde diz ter aprendido a entender e valorizar mais o ser humano.
Hoje, dormindo na escadaria da Igreja da Glória, está prestes a se formar no Ensino Médio e sonha em fazer faculdade de direito.
Segundo Rico, muitas pessoas que passaram pelo projeto, saíram das ruas, casaram e arranjaram emprego.
"Eles começam a resgatar a dignidade, repensar a vida e percebem que, se conseguem cantar, podem fazer muito mais por si mesmos."
Vulnerabilidade
O coral não é composto apenas por moradores de rua. Desde a primeira apresentação, o grupo estabeleceu uma parceria com os abrigos da cidade do Rio de Janeiro sob responsabilidade da Secretária de Assistência Social.
O principal é o Rio Mais Acolhedor, o maior abrigo da América Latina, que atende a mais de 350 pessoas em várias situações de vulnerabilidade social, como usuários de drogas em recuperação ou que saíram de casa e não têm como voltar.
Para Cícera, 33 anos, pedagoga da instituição, o Coral é fundamental para o trabalho de reinserção social.
"Tem sido muito relevante. Muitos que participam do coral melhoram a autoestima, a autonomia, a independência. E conseguem ser reinseridos na sociedade", afirma.
"Cumprimos o papel constitucional de levar cultura aos mais vulneráveis da cidade. Quem foi deixado para trás, agora está vindo para frente para se apresentar", reforça o secretário.
Para Rico, trabalhar com essas pessoas e ajudá-las a se sentirem importantes em meio à marginalização social é um privilégio.
E ressalta: "a vida humana é a coisa mais valiosa que existe. O valor da vida de uma pessoa famosa que está na mídia é o mesmo da pessoa que dorme sobre um papelão ou embaixo de uma marquise".
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