Ex-presidente Mujica é destaque em Veneza com filme sobre horrores da ditadura
O ex-guerrilheiro e ex-presidente uruguaio José Mujica foi destaque nesta sexta-feira no Festival de Veneza, ao inspirar um filme sobre os horrores da ditadura em seu país na década de 1970.
A história dos anos que passou nas celas da ditadura militar uruguaia (1973-1985) inspira o filme "Uma noite de 12 anos" do diretor uruguaio Álvaro Brechner, apresentado na seção Horizontes, a mais inovadora do festival veneziano.
Aplaudido em sua primeira exibição para a imprensa, o filme é, além de uma dramática denúncia das torturas e vexações durante a ditadura, uma viagem ao inferno vivido por três detidos políticos, do qual conseguem sair com dignidade.
"Vocês não são presos, são reféns do governo militar", grita um de seus carcereiros. "Vamos deixá-los loucos, perderam a guerra, agora são uns condenados", acrescenta.
A figura de Mujica inspira também o documentário do diretor sérvio Emir Kusturica, "El Pepe, una vida suprema", em programação no domingo, fora de competição.
Interpretado pelo ator espanhol Antonio de la Torre, Mujica conseguiu superar os delírios e angustiantes vozes internas que interrompiam seus silêncios obrigatórios, e chegou a ser presidente de seu país de 2010 a 2015.
Emblema da esquerda latino-americana por sua vida austera, por ter passado da guerrilha armada a liderar uma revolução tranquila como presidente, no filme Mujica é, antes de tudo, um sobrevivente.
Baseado no livro "Memorias del calabozo", de Mauricio Rosencof e Eleuterio Fernández Huidobro, o filme narra os 12 anos em que os dois estiveram presos com Mujica, em celas separadas, completamente isolados, como membros do Movimento de Liberação Nacional-Tupamaros.
- Enlouquecê-los -Submetidos a uma espécie de experimento, que tinha como objetivo enlouquecê-los, os três detidos permaneceram trancados em pequenos calabouços, sem falar, quase sem luz e com pouca comida, um inferno do qual conseguiram sair mantendo a saúde mental.
Tratados como animais, encapuzados, espancados, humilhados, convivendo com ratos e formigas, cada um pôde encontrar dentro de si próprio os instrumentos para sobreviver: uma linguagem com batidas na parede, a lembrança dos afetos, a redação de cartas de amor.
Com os corpos e mentes esgotados, "no limite do suportável", como confessou o próprio Mujica anos depois, os três travaram uma verdadeira batalha íntima para sobreviver aos 12 anos de confinamento solitário.
Após a libertação com a chegada da democracia, os três chegaram a ser personalidades reconhecidas do Uruguai, e de alguma forma exemplos de integridade.
"Ninguém nunca vai te tirar o que você carrega dentro de você", diz a mãe de Mujica, em uma das poucas visitas que pôde lhe fazer, quando ele estava à beira da loucura e não conseguia "parar de pensar" e ouvir vozes.
Fiel a seu estilo, o ex-presidente e ex-guerrilheiro renunciou a desfilar pelo tapete vermelho do Lido veneziano, por onde já passaram várias lendas da sétima arte, embora se espere que compareça, no domingo, à exibição do documentário sobre sua vida realizado por Kusturica.
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