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Ferran Adrià: 'chefs de alto nível não cozinham'

28/06/2018 10h32

Paris, 28 Jun 2018 (AFP) - Ferran Adrià pendurou o avental quando era considerado um dos melhores chefs do mundo. Sete anos depois, dedica-se a transmitir o legado de seu restaurante elBulli e de sua cozinha chamada, para seu desgosto, de molecular, ainda "na moda".

Os termos "inovação", "arte", "criatividade" brotam com frequência dos lábios deste chef espanhol, de 56 anos, durante entrevista à AFP em Paris.

"Eu não parei de trabalhar", diz Adrià, envolvido em projetos com Harvard, Telefónica, ou apoiando o nascente império gastronômico em Barcelona de seu irmão mais novo, Albert.

Ele também dispõe de 12 milhões de euros para sua fundação privada, de empresas como a gigante espanhola de telecomunicações, CaixaBank e Lavazza para lançar em 2019, cinco anos de atraso, o seu centro dedicado à inovação em Cala Montjoi (Roses, nordeste da Espanha), de onde elBulli revolucionou a gastronomia, até 2011.

Muitos ainda se perguntam como fechou seu restaurante, cinco vezes coroado como o melhor do mundo pela lista "50 Best" e objeto de uma série: "elBulli, a história de um sonho", que a Amazon Prime transmite a partir de 2 julho.

Para explicar isso, Adrià volta a 1995. O famoso chef francês Joël Robuchon acabara de anunciar sua aposentadoria e o visitou em Paris. "Ele me disse: 'Ferran, você vai ser incrível, mas tem que saber quando mudar'. Eu sempre tive isso na minha cabeça".

Mas se a de Robuchon foi uma retirada temporária, Adrià afirma que não retornará aos fogões, não importa quantas ofertas cheguem.

"Eu não vejo nenhum sentido em abrir um restaurante", diz ele, satisfeito em "abrir caminhos" para novos chefs.

"Cerca de 95% dos restaurantes que ajudei são bem sucedidos", explicar ele que foi mentor, entre outros, do espanhol José Andrés, duas estrelas Michelin com seu Minibar de Washington.

Também é uma forma de responder aqueles que dizem que sua cozinha saiu de moda. "Dizem que não se faz mais espumas, mas em quantos restaurantes do mundo há um sifão na cozinha?", afirma, com um sorriso, o "chef alquimista".

- Gastronomia ou performance? -Sem um restaurante, Adrià continua a considerar-se um chef: "Os chefs de alto nível, fora algumas exceções, não cozinham, têm responsáveis".

Ele dificilmente é visto cozinhando nesta série sobre elBulli, previamente transmitida na Espanha.

Em sua cozinha, com 40 funcionários, o chef reflete, ouve, prova. E assim vai desconstruindo produtos e associando-os com outros improváveis, para dar à luz um croquete líquido, espuma de feijão branco com ouriços, e outras 1.846 receitas originais.

A missão do elBulli era investigar "o limite da experiência gastronômica sem cair na performance".

E quando sentiu ter atingido este limite, apesar dos dois milhões de pedidos de reservas anuais e contar com "pitadas" de gigantes como Joan Roca (El Celler de Can Roca) e Massimo Bottura (Osteria Francescana), fechou seu estabelecimento.

Mas Adrià também sugere que se cansou da polêmica e dos "mitos" que cercavam elBulli.

A criticada presença de aditivos em sua cozinha é um exemplo, assim como seu atributo de "molecular".

"O sal é muito pior do que qualquer estabilizador para a saúde", sustenta. E ele prefere definir seu estilo como "tecno-emocional". "É feio, mas é o 'cubismo' também o é".

Também não concorda em ser lembrado como o chef que "dinamitou" códigos de gastronomia, definindo-se como "filho" espanhol da Nouvelle Cuisine francesa.

Assim, sua futura Bullipedia, um imenso banco de dados sobre a gastronomia, está submersa nos últimos 400 anos da culinária francesa.

"Esta é uma das minhas fontes de inspiração", além do México, Peru - ambas "cozinhas incríveis" - China e Japão.

Como não haverá um segundo elBulli, Adrià consola os clientes: "Ele ainda é um bebê, mas Enigma é a coisa mais próxima". Este restaurante de Barcelona de seu irmão Albert, prêmio nacional do melhor chef de 2017, acaba de chegar ao 95º lugar na lista ampliada da "50 best".