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"A Forma da Água", "King Kong" e o romance do cinema com os monstros

"A Forma da Água" - Divulgação
"A Forma da Água" Imagem: Divulgação

Los Angeles (EUA)

06/03/2018 16h42

Em termos de carisma está longe de ser Cary  Grant, mas o anfíbio humanoide de "A Forma da Água" perpetua uma tradição de filmes de monstros que capturou a imaginação do público desde o início do cinema.

A história de amor geneticamente modificado de Guillermo  del Toro, entre uma espécie de tritão e uma mulher muda, reafirmou no último domingo (04) a popularidade do gênero, ao conquistar os Oscar de melhor filme e melhor diretor.

Mas os filmes de monstros vão muito além do terror, indo da comédia e da fantasia à ficção científica, e Del Toro soube capitalizar esse romance do cinema.

"Os monstros nem sempre são aterrorizantes ou malvados. Os monstros da Pixar em 'Monstros S.A.', assim como o personagem principal de 'Um hóspede do barulho', eram encantadores e doces", escreve John Landis, diretor de "Um Lobisomem Americano em Londres" (1981), em seu livro "Monsters in the Movies".

"Inclusive o monstro mais famoso de todos, o Frankenstein retratado por Boris Karloff" em 1931, "é vulnerável e compassivo".

O filme mudo alemão "O Golem" (1915), de Paul Wegener, é considerado o primeiro filme de criaturas, e "Nosferatu", um dos longas de terror mais emblemáticos da Alemanha, chegou sete anos depois.

Nos anos 1930, os cineastas americanos se entusiasmaram com o tema e realizaram uma série de contos góticos com influência alemã, sobre Drácula, Frankenstein, a Múmia e o Homem Invisível.

Décadas depois, filmes como "Jurassic Park: Parque dos dinossauros" (1993), "Cloverfield - Monstro" (2008), "O Caçador de Troll" (2010) e "Círculo de fogo" (2013), de Del Toro, foram sucessos de crítica e comercial.

"King Kong" (1933), talvez a fera mais famosa de todas, se tornou um ícone cultural através de vários filmes, com as versões mais recentes, "King Kong" (2005) e "Kong: A ilha da Caveira" (2017), arrecadando mais de US$ 1 bilhão no mundo todo.

Cena do filme "King Kong", de 2005, dirigido por Peter Jackson - Reprodução - Reprodução
Cena do filme "King Kong", de 2005, dirigido por Peter Jackson
Imagem: Reprodução


Paranoia nuclear

O filme do pioneiro dos efeitos visuais, Ray  Harryhausen, "O monstro do mar" (1953) marcou o começo da onda de criaturas dos anos 1950, capitalizando a paranoia nuclear da época. "O monstro da lagoa negra" (1954) serviu de inspiração para a aparência do humanoide anfíbio de Del Toro em "A forma da água".

Kendall  Phillips, professor da Universidade de Syracuse e autor de um livro sobre a retórica do terror no cinema americano, assegurou que a "alteridade" dos monstros nos assusta.Mas também provoca empatia, afirmou, porque "no fundo, todos nós às vezes nos sentimos um pouco inadaptados e como monstros".

"King Kong é uma criatura horrível e ameaçadora que faz coisas perigosas, e no entanto você não consegue evitar ter certo nível de compaixão", disse à AFP. Mas os demônios nem sempre são sucesso no cinema, e entre os fracassos Phillips destacou "A múmia" (2017).

A ideia era que a história de ação protagonizada por Tom Cruise lançaria a franquia "Dark Universe" da Universal, retomando todos os seus monstros clássicos, mas o filme obteve uma aprovação de 16% no site de críticas Rotten Tomatoes e perdeu cerca de 95 milhões de dólares.

Cena do filme "Nosferatu" (1922), de F.W. Murnau - Reprodução - Reprodução
Cena do filme "Nosferatu" (1922), de F.W. Murnau
Imagem: Reprodução


Carta de amor

"É engraçado que no mesmo ano Guillermo  del Toro lance um filme que é uma bonita carta de amor para essa época, que realmente captura o espírito de todos esses monstros belamente", disse Phillips à AFP.

Para o acadêmico, "A Forma da Água" resultou ser o antídoto perfeito para as guerras culturais dos Estados Unidos e as contínuas mensagens de certos políticos sobre "temer o outro".

"Temos este filme que conta uma bonita história de amor, sobre duas entidades que se sentem desconectadas e não parte do mundo, e de alguma forma são capazes de fechar essa brecha", disse.

Mas nem todos os filmes que se destacam ganham o Oscar, e um dos maiores trunfos de "A Forma da Água", segundo críticos, é que é inofensivo. Embora não tenha sido tão querido como o favorito para melhor filme "Três anúncios para um crime", tampouco foi odiado.

"Três Anúncios para um Crime" foi aclamada pela crítica, mas é provável que tenha obtido muitos votos negativos por como parece absolver um de seus personagens principais, um policial violento e racista.

Daniel Montgomery, do site "Gold Derby", disse que esperava que "A Forma da Água" ganhasse o prêmio de melhor filme apesar de seu "romance pouco convencional entre espécies".

"Os filmes nem sempre precisam causar uma boa sensação para ganhar o Oscar. Olhem para ganhadores como 'Os infiltrados' (2006) e 'Onde os fracos não têm vez' (2007)", escreveu. "'Três anúncios para um crime' teria encaixado nesse molde mais obscuro. Mas em uma pesquisa de preferências, ser mais agradável pode ajudar".