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E o Oscar vai para o mundo fantástico de Guillermo del Toro

05/03/2018 02h21

México, 5 Mar 2018 (AFP) - Ele comparecia às salas de aula com baratas vivas em uma disputa para saber quem conseguia pegar o maior inseto e sua escola foi cenário de seu primeiro curta-metragem sobre um monstro gelatinoso. Desde pequeno, o mundo de Guillermo del Toro foi cercado por seres fantásticos.

Antes do premiado cineasta, que com "A Forma da Água" venceu o Bafta, o Globo de Ouro e o Leão de Ouro de Veneza e agora o Oscar, existiu um adolescente que sabia que trabalharia com o cinema e que desde jovem, quase brincando, construiu sua carreira.

"Nos curtas que fazia desde adolescente com uma pequena câmera já se via sua imaginação, seu lado fantástico de interpretar a realidade", disse à AFP Anne Marie Meier, crítica de cinema suíça que conheceu Del Toro em uma oficina de roteiro quando o cineasta mexicano tinha 16 anos.

Tudo aconteceu na cidade de Guadalajara, onde Del Toro nasceu em 1964 e onde Meier dava aulas de alemão e oficinas de cinema. Ela ri ao recordar o jovem criativo.

"Tinha muita paixão pelos insetos. Ele os colecionava, vivos, em caixinhas, e disputava com outros adolescentes para ver quem tinha a maior barata de Guadalajara. Às vezes chegava à aula dizendo que tinha uma de sete centímetros", relata.

- "Pesadelo"... 1 e 2 -Amigo desde a adolescência de Del Toro, o fotógrafo Mariano Aparicio foi cúmplice das primeiras aventuras cinematográficas. Rodaram juntos "Pesadelo", curta de terror que ganhou uma sequência um ano depois.

"Tínhamos 17 anos. Não havia câmeras de vídeo. Com uma super-8 decidimos fazer um filme para um festival cultural. É muito divertido, com um monstro gelatinoso que sai do banheiro e percorre a escola", conta Aparicio.

O roteiro era de Del Toro, mas o restante da produção foi compartilhado.

"Mandava os cartuchos para revelação nos Estados Unidos e era uma angústia. Esperava muito para poder assistir o resultado, editar com um cortador especial e colar com adesivo", explica.

O crítico de cinema Leonardo García Tsao conheceu Del Toro no início da carreira.

"A única coisa que queria era fazer cinema e se aproximou do cinema com oficinas, as únicas aulas que fez porque é basicamente autodidata", comenta.

Seu mundo já era fantástico em seu quarto de adolescência, recorda Aparicio. "Era decorado com aliens, personagens de ficção, monstros, Frankensteins. Tinha adesivos fluorescentes que estavam na moda".

Depois viria "Matilde", um curta de terror filmado na casa de sua avó. Sua mãe, dona Guadalupe, encarna uma mulher em uma cadeira de rodas que vive sozinha e passa o tempo costurando.

"De repente aparece uma fenda na parede, que ia crescendo e ela coloca uma agulha de costura e entra na greta", recorda Aparicio.

A mãe do diretor sempre foi uma colaboradora entusiasmada. Apareceu em outro de seus curtas, "Geometria", rodado em 1987 e no qual também atuaram seu pai e outro grande amigo, Rodrigo Mora.

- Essência mexicana -Desde "Matilde", destaca Meier, era possível observar a marca de Del Toro, que cresceu em um lar católico repleto de imagens religiosas.

"Matilde aparece cercada de virgens e crucifixos. Guillermo já brincava com tudo o que gostava, era um adolescente cheio de cultura, lia quadrinhos, desenhava graphic novels e também via muito cinema", recorda Meier.

A crítica destaca que dos "três amigos" mexicanos que triunfaram em Hollywood (Alfonso Cuarón e Alejandro González Iñárritu, vencedores do Oscar), Del Toro é o que mais assume sua essência mexicana.

"Ele se nutre de toda a cultura global, mas no fundo está sua marca (mexicana), com personagens com alguma fragilidade, que não têm voz como a menina de 'Cronos' e agora em 'A Forma da Água'. Ou tem uma perna com uma prótese. Sinto que para ele sempre é importante apresentar personagens frágeis, isso é típico do cinema mexicano", explica.

Em "A forma da Água", Elisa é uma funcionária da limpeza em um laboratório secreto do governo americano. Ela escuta, mas não pode falar. Se apaixona por uma criatura anfíbia presa em um tanque de água.

Entre o jovem que filmava em sua escola e o cineasta reconhecido internacionalmente, não há grande diferença, afirmam os amigos. Ele n]ao perde a personalidade jocosa, longe da imagem clichês do diretor solene e irritado.

Durante uma edição do Festival de Cannes, quando Del Toro exibiu sua estreia em longas-metragens com "Cronos", García Tsao teve que suportar um vizinho de hotel que não abaixava o volume da TV de jeito nenhum.

"De manhã, abro a porta e era ele, Guillermo, o vizinho barulhento", recorda.

Mas um fato marcou sua vida e obrigou a família Del Toro a deixar o México em 1998: o sequestro em Guadalajara de seu pai, que depois de vencer na loteria criou um negócio de sucesso.

James Cameron ajudou Del Toro a reunir um milhão de dólares, que o diretor entregou pessoalmente aos sequestradores.

"Foi bastante tóxico, misturou a comédia em tudo isso", afirmou Del Toro uma vez.