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Bola Preta: desfile de Carnaval para exorcizar demônios do Brasil

10/02/2018 15h51

Rio de Janeiro, 10 Fev 2018 (AFP) - O mais antigo bloco de Carnaval do Rio de Janeiro celebrou neste sábado (10) seu 100º desfile, no qual a tradicional alegria carioca exorcizou os demônios que espantam a cidade e todo o Brasil: a intolerância, a corrupção e a violência.

O bloco "Cordão da Bola Preta" reuniu milhares de pessoas fantasiadas das maneiras mais mirabolantes, que caminhavam ao ritmo das marchinhas, emitidas por quatro caminhões de som ao longo da Avenida 1º de Março, no Centro da cidade.

Para muitos, o desfile deste ano foi um respiro e uma folga.

"Infelizmente, o Rio de Janeiro está tomado pela violência e a gente está aí para combater isso, com nossa alegria, com nossa simplicidade", afirmou Marcelo Negrão, um cantor de 51 anos.

O folião usava uma fantasia indefinida: tênis, tutu de bailarina, barba (real), peruca verde e um leque chinês. "É uma mistura de tudo quanto você possa imaginar: o Carnaval de hoje é isso, tudo no improviso", explica.

Um pouco mais distante, quatro jovens com toucas de banho cortadas como cascas de ovos recém-quebradas se juntavam atrás de um papelão que imitava a frente de uma Kombi. "Esse carro é característico do subúrbio do Rio de Janeiro, que passa vendendo 30 ovos a 10 reais. Todo mundo corre para comprar", conta Diego Phelippe, de 32 anos, que no resto do ano é agente de segurança.

Diego Phelippe é fiel ao Bola Preta há 10 anos.

"É o bloco mais tradicional do Rio de Janeiro, o bloco onde a gente se sente a vontade", comenta.

Centenas de blocos percorrem as ruas do Rio nos dias anteriores e posteriores ao Carnaval, paralelamente aos desfiles do Sambódromo, mais conhecidos internacionalmente, mas considerados menos democráticos por ter ingressos pagos.

No bloco "o povo está na rua, sem ter que pagar ingresso, sem elitismo", destaca Janete Pimenta, uma bailarina de 44 anos que desfila com capuz de freira, short preto e meia-calça.

Para muitos, o Carnaval de rua é um momento de alívio diante de uma realidade que não dá trégua: "a situação de violência do Rio é a pior que já vivemos em todos os tempos", sentencia Phelippe.

O Rio é um estado praticamente falido, com seus últimos governadores presos, ou acusados de corrupção, e um nível de violência relacionada ao tráfico de drogas que obrigou o governo a enviar o Exército para tentar recuperar o controle da situação.

O Carnaval também se viu em meio a polêmicas depois da eleição do prefeito Marcelo Crivella, que tentou diminuir o prestígio de uma festa propensa a excessos.

- 'A alma do Rio' -Para Sávio Freire Bruno, um biólogo de 57 anos, o Cordão da Bola Preta "representa bastante a alma do Rio de Janeiro", embora admita que encontrar reservas de alegria em meio a tanta inquietação não seja tarefa fácil.

Há "um grande conflito interno em cada um de nós num momento tão difícil do país, uma democracia tão ameaçada... mas a gente não pode perder o direito de participar dessa festa, de manter essa tradição", sustenta.

O Brasil tenta se recompor de uma grave crise institucional, que em 2016 provocou o impeachment de Dilma Roussef, enquanto investigações por corrupção envolvem o presidente Michel Temer, seus principais ministros e boa parte da oposição.

Em meio à multidão, o deputado Chico Alencar, do Partido Socialismo e Liberdade (Psol), é saudado pelos foliões. Usando uma camisa preta escrita "De luto pelo Rio", Alencar, de 68 anos, conta à AFP que vai a este bloco desde criança, com seus pais.

"Eu adoro, é uma festa popular que mostra que no Rio de Janeiro, apesar de tudo (...), o povo não perde sua alegria, seus sonhos, sua fantasia".

O Cordão da Bola Preta foi fundado em 1918 por um grupo de amigos que deu seu nome ao ver passar uma mulher que os deixou boquiabertos, usando um vestido estampado com bolas pretas.

Ao longo de sua história popularizou marchinhas que ganharam o mundo como "Cidade Maravilha" e "Quem não chora, não mama".