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Arundhati Roy lança livro 20 anos após 'O Deus das pequenas coisas'

03/01/2018 09h00

Nova Délhi, 3 Jan 2018 (AFP) - Vinte anos depois do sucesso mundial de "O Deus das pequenas coisas", a escritora e militante de esquerda indiana Arundhati Roy publica seu segundo romance, mais intenso e político que nunca.

Com "O ministério da felicidade suprema", a autora prossegue com a obra crítica em relação à sociedade e ao Estado indianos que construiu nas últimas duas décadas através de dezenas de ensaios.

"Não apenas na Índia, mas como em todo mundo, está nascendo um sistema econômico que divide as pessoas", diz a intelectual de 56 anos, em entrevista à AFP. "Descrevo como esse sistema destrói as pessoas mais vulneráveis neste país", acrescenta.

Quando se pensa em Arundhati Roy romancista, vem à mente a imagem da jovem que recebeu, vestida com um sari cor púrpura, o prestigioso prêmio Booker em 1997 por "O Deus das pequenas coisas", que vendeu seis milhões de exemplares no mundo.

Na entrevista realizada em um café da parte antiga de Nova Délhi, a escritora ainda exibe um cabelo cacheado, mas agora com o grisalho de uma mulher de 56 anos. Sua pequena estatura, o timbre pausado de sua voz e seus sorrisos travessos surpreendem porque contrastam com a veemência de seus textos.

"Por que tantos anos antes de lançar um novo romance? "Demorei a me recuperar de 'O Deus das pequenas coisas', não apenas por culpa de seu sucesso material, como também porque, de certa maneira, eu tirei do fundo de mim mesma", explica a autora.

"O ministério da felicidade suprema", um romance exuberante e com inúmeros personagens, conta a vida de uma comunidade de hijras (transgêneros) de Nova Délhi e uma história de amor em um ambiente de insurreição em Caxemira.

Aparecem nacionalistas hindus, a guerrilha maoista das florestas do centro do país, a violência das castas e os demais temas habituais de uma Arundhati Roy militante.

A escritora assegura que teceu esta narração labiríntica à imagem do dédalo urbano das megalópoles indianas.

O livro, que levou dez anos para ser escrito, mostra que "é preciso conhecer uma cidade: percorrer suas estradas longas e curtas, seus pátios traseiros, seus solares", afirma.

- Adulada e odiada -Tão idolatrada por seus leitores como odiada por seus detratores, uma clarividente para alguns, uma idealista caricatural para outros, Arundhati Roy causa paixões em seu país.

A escritora, acostumada às polêmicas, às manifestações e aos comparecimento ante tribunais, forjou, desde que alcançou a fama literária, um perfil de intelectual dissidente similar ao do americano Noam Chomsky.

"Seria difícil ficar em paz comigo mesmo se não falasse do que se passa aqui", afirma, para justificar seu compromisso intransigente.

"Como se pode aceitar que centenas de pessoas sejam mutiladas em Caxemira? Como se pode aceitar uma sociedade que, há milhares de anos, decidiu que uma parte da população deveria ser considerada 'intocável'? Como se pode aceitar uma sociedade que queima as casas das populações tribais e as expulsa de seus lares em nome do progresso?", questiona, apaixonada.

Com um pluma afiada como uma faca, a filha de uma cristã da região meridional de Kerala e de um hindu de Bengala Ocidental luta contra os rótulos de identidade impostas pelos nacionalistas hindus.

Seu novo romance os descreve como pessoas que anseiam por um novo "Reich" fundamentalista.

"O nível de polarização das pessoas nunca foi tão execrável", assegura. "Há milícias com ânsias de queimar salas de cinema, grupos que ainda celebram o sati", afirma ainda, referindo-se a uma prática ilegal e rara de imolação de uma viúva na pira funerária de seu marido.

Incansável voz dos oprimidos, ecologista, feminista, alterglobalista e crítica em relação ao capitalismo, Roy expressa sua esperança de que ainda surja uma forma de justiça social através dos tumultos do mundo.

"Algo nascerá, seja da destruição total ou de uma espécie de revolução, mas isso tudo não pode continuar assim", sentencia.