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Ativistas viram jornalistas de guerra em cidade síria de Raqa

12/09/2017 17h58

Beirute, 12 Set 2017 (AFP) - Ativistas sírios que se habituaram a filmar em segredo as decapitações do grupo Estado Islâmico (EI) em Raqa exercem agora a função de jornalistas de guerra para cobrir a ofensiva das forças antiextremistas apoiadas por Washington.

"É a única coisa que posso fazer agora: contar o número de bombardeios aéreos, obuses, mortos e feridos", afirma à AFP Tim Ramadan de Raqa, usando um pseudônimo e por meio de um perfil no Facebook.

À noite se conecta discretamente via satélite. Envia suas estatísticas a colegas instalados na Europa e em seguida apaga as mensagens.

O coletivo "Sound and Picture" publica na Internet o seu trabalho. Esta rede de informação, assim como outras montadas por amadores, expõe a vida diária de Raqa, devastada pelos combates.

As Forças Democráticas Sírias (FDS), aliança de combatentes curdos e árabes apoiada por Washington, entraram no início de junho em Raqa para expulsar o EI e, desde então, reconquistaram cerca de 65% desta cidade do norte da Síria.

Durante os três anos sob o jugo extremista, vários cidadãos de Raqa se concentraram nas atrocidades do EI. Mas a ofensiva das FDS na cidade, onde quase 25.000 pessoas ainda estão presas, mudou a situação.

A maior parte destes cidadãos-jornalistas se opunham ao governo do presidente Bashar al-Assad antes da revolta de 2011 e usaram os seus celulares e as redes sociais para mostrar as manifestações e a repressão das forças do governo.

Agora publicam imagens dos bombardeios aéreos da coalizão internacional, são testemunhas da luta diária dos civis para se alimentar e homenageiam os mortos nos combates.

"Tínhamos medo de sermos presos (pelo EI) se saíssemos. Agora temos medo de sair e sermos alcançados por um disparo de artilharia. E, se não sairmos, temos medo de que um bombardeio aéreo atinja nossa casa", ironiza Tim Ramadan.

"Quando a coalizão e as FDS entraram em ação, tive que documentar ainda mais (o conflito). O Daesh (acrônimo árabe do EI) já não era o único a matar civis", acrescenta.

- O EI se vai, suas ideias não -Com a explosão dos combates, os cortes no fornecimento de energia se generalizaram e "é mais difícil se comunicar com a nossa equipe", reconhece Mazen Hasun, que comanda o "Raqa Post" da Alemanha.

Com outros ativistas, a equipe do "Raqa Post" armazenou comida e remédios, e transformou os porões em abrigos, afirma o jovem de 21 anos.

Mohamed al-Jaled, que dirige o coletivo "Raqa24" do norte da Síria, se expressa em mensagens criptografadas para proteger os seus correspondentes, dois dos quais ficaram feridos.

"Disse a eles que o Daesh se mostraria ainda mais diabólico com os civis, que se ficassem os usariam como escudos humanos", explica, acrescentando que alguns ativistas acabaram indo embora da cidade.

Jalil não quer sair. "Minha especialidade é informar sobre as vítimas graças aos meus conhecimentos médicos. Registro o número de mortos e a causa da morte", assegura à AFP, usando seu pseudônimo. "Ir embora em um momento como esse seria trair os meus compatriotas".

Aghiad al-Jodor, que gere com Tim da Alemanha os ativistas da "Sound and Picture", viveu um ano sob o comando do EI antes de fugir em 2015.

O então jovem de 27 anos fazia grafites antiextremistas e distribuía panfletos para lutar contra a ideologia do EI.

Este tipo de militância foi interrompida com o começo dos combates em Raqa, mas, na sua opinião, deverá ser retomada quando o EI for derrotado.

"Todo mundo (...) viu tantas execuções que se tornou algo normal. As crianças seguem programas escolares estabelecidos pelo Daesh", conta.

"Reconstruir a sociedade e apagar o impacto (dos extremistas) é a nossa tarefa mais importante. O Daesh irá embora um dia, mas as ideias que plantou poderiam ficar".