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Na falta da bossa nova, jazz ganha espaço no Rio

30/08/2017 19h39

Rio de Janeiro, 30 Ago 2017 (AFP) - Internacionalmente associado à bossa nova e tradicional reduto do samba, o Rio tem sido cenário cada vez mais frequente de apresentações de jazz.

Dá até para escolher: de uma sessão em um hostel na favela, com um toque mais informal regado a cerveja em uma rua do centro ou com um vinho em uma cafeteria boêmia em Laranjeiras. A partir desta semana os cariocas também poderão ouvir o ritmo na nova sucursal do exclusivo clube nova-iorquino 'Blue Note'.

"O jazz faz parte da alma de boa parte dos artistas brasileiros, é uma forma de inspiração e está em um momento meio de efervescência", avalia Luiz Calainho, o empresário que trouxe a prestigiada franquia, que tem filiais em Tóquio e Milão, ao Rio.

Em uma esquina da Lagoa, o "Brazil Jazz Stars" - sexteto de piano, bateria, contrabaixo, trompete, sax e guitarra - passava o som nesta quarta-feira na acústica intimista do local, mas é nesta quinta que a casa abrirá suas portas ao público, com uma programação nacional e internacional que retomará o vazio deixado após o fim do 'Jazz Mania' e do 'Mistura Fina'.

A chegada do 'Blue Note' é, de fato, uma dupla boa notícia para o Rio, que tem vivido desde o fim dos Jogos Olímpicos tempos cinzentos, de vacas magras e com uma trilha sonora crescente de tiroteios.

- Jazz 'de rua' -Embora seja difícil desbancar o samba, com suas inúmeras rodas, o jazz vem ganhando adeptos, bandas, espaços e um 'jeitinho' especial carioca.

Muitas vezes de forma mais informal e jovem, distante do estilo sofisticado do 'Blue Note'.

Por exemplo, membros do Amigos da Onça, o bloco da moda do Carnaval, criou em maio quinteto "SoujazZ".

No 'Bar do Nanam', onde batem ponto os jovens que frequentam o circuito alternativo da cidade, tem jazz toda quarta-feira há cerca de um ano até horas da madrugada.

Nos arredores da praça Tiradentes, mais de cem jovens vestidos com camisas tropicais e havaianas fumam, bebem, se beijam e dançam ao som de versões instrumentais de ícones do jazz como Chick Corea e Michael Brecker, assim como do pai da bossa nova, Tom Jobim.

O improviso do trio residente 'Jazz com Boteco', que usa a calçada como um palco delimitado com caixas de cerveja, também se reproduz no público, que inclui animados moradores de rua.

"Olha este evento! Parece um evento samba, de carnaval, mas não é, é instrumental. Tem uma adaptação à cultura carioca de rua, é jazz na rua, e maravilhoso!", se emociona o líder da banda, o baterista Guga Pellicciotti.

- Samba-jazz -O samba e o jazz são gêneros que nasceram de uma forma parecida, clandestinamente e pelos negros em dois extremos das Américas, entre o final do século XIX e o início do século XX.

Para Guga, a mistura é inevitável, fazendo que o Rio, uma das cidades mais musicais do mundo, deixe sua marca no jazz. Há influências do samba (que tem seu próprio subgênero, o 'samba-jazz'), do choro e da tradição de música instrumental.

Filha do samba, a bossa nova, nasceu em 1957 com uma forte influência do jazz e chegou a ter com esse ritmo americano fusões magistrais, por exemplo, nos discos do saxofonista Stan Getz "Jazz Samba", "Big band Bossa Nova" e "Jazz Samba Encore" ou nas mais do que famosas versões em inglês de Frank Sinatra e Ella Fitzgerald de "The Girl from Ipanema".

"O que eu gosto no jazz é que cada dia é uma surpresa, nunca é a mesma coisa", disse Thiago, programador de 35 anos que não perde uma quarta-feira no 'Bar do Nanam', onde pode ouvir música gratuitamente.

Embora muitas das músicas tocadas sejam versões da bossa nova, muitos consideram o ritmo ultrapassado ou uma versão elitista e americanizado do samba.

Para os nostálgicos, é difícil encontrar com facilidade um lugar que toque bossa nova no Rio.

"Não existe essa demanda toda pela bossa nova. Foi um fenômeno de um tempo. Já não se faz, como o rock progressivo, ficou meio datada", explica o crítico musical Bernardo Araújo.

Mas o dono do Blue Note promete: "Aqui também será a casa da bossa nova".