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Peça que compara imperador Júlio César a Trump causa polêmica nos EUA

Ditador romano Júlio César ganhar versão nitidamente inspirada em Donald Trump - Joan Marcus/AP
Ditador romano Júlio César ganhar versão nitidamente inspirada em Donald Trump Imagem: Joan Marcus/AP

De Nova York (EUA)

12/06/2017 19h49

A semelhança entre um empresário loiro, protagonista da peça Julio César, de William Shakespeare, e o presidente Donald Trump, representada ao ar livre no Central Park, desatou nova polêmica sobre a liberdade de expressão.

Depois de protestos enfurecidos da Fox News, vinculada aos conservadores americanos, e do filho mais velho do presidente americano, Donald Trump Jr., nas redes sociais, a Delta Airlines e o Bank of America, duas grandes empresas que patrocinavam o Public Theater e o festival "Shakespeare no Parque", do diretor Oskar Eutis, anunciaram no domingo a retirada de seu apoio.

A "gráfica" representação da peça teatral originalmente escrita em 1599 e que na versão atual o protagonista é esfaqueado por mulheres e outras minorias "não reflete os valores da Delta", declarou a companhia aérea em um comunicado. "Sua direção artística e criativa ultrapassou a linha do bom gosto", considerou.

Para o Bank of America, a obra pretendia "provocar e ofender". "Se tivessem nos comunicado esta intenção, teríamos decidido não patrociná-la", declarou o banco.

"Um César petulante"

A Fox News noticiou no domingo que a obra parece representar o presidente americano que é muito impopular em Nova York, "sendo brutalmente esfaqueado até a morte por mulheres e minorias". E, em um tuíte, Donald Trump Jr. se questionou sobre o financiamento da obra.

Julio César veste na obra a roupa típica de Trump - calças e paletó escuros, camisa branca e gravata vermelha. Sua esposa na obra tem sotaque eslavo, como Melania Trump.

"Sua representação como um César petulante de terno azul, com banheira de ouro e uma esposa eslava que faz caretas eleva os ataques a Trump no palco a um outro nível surpreendente", escreveu o jornal The New York Times na sexta-feira passada.

A American Express, que também patrocina o teatro, emitiu um comunicado na qual esclarece que não deu dinheiro para esta produção.

Mas outros cidadãos pediram nas redes sociais que fizessem doações ao Public Theater.

A polêmica recorda o ocorrido no fim de maio, quando a comediante Kathy Griffin divulgou um vídeo em que levanta uma falsa cabeça de Trump decapitada, fazendo com que ela fosse difamada e demitida pela CNN, onde conduzia a cada ano a transmissão de Ano Novo.

O teatro defendeu-se, afirmando que "de nenhuma maneira defende a violência contra ninguém".

"A obra de Shakespeare e nossa produção têm o argumento contrário: aqueles que tentarem defender a democracia por meios não democráticos pagam um preço terrível e destroem a mesma coisa que estão lutando para salvar", afirmou.

O teatro admitiu que a representação gerou "discussões acaloradas", mas insiste em que "esta discussão é exatamente a meta do nosso teatro comprometido civilizadamente, este discurso é a base de uma democracia sadia".

Contemporânea até dizer chega

A obra de Shakespeare, que se passa no ano 44 a.C., "nunca foi tão contemporânea", destacou o Public Theater em seu site na internet. Julio César possui "uma personalidade magnética, irreverente" e está "obcecado pelo poder absoluto", explica.

"As instituições com as quais crescemos, que herdamos da luta de muitas gerações de ancestrais, podem se esvair a qualquer momento", alerta o diretor, Oskar Eutis.

O democrata Scott Stringer, auditor das contas da cidade de Nova York, um cargo eletivo, também entrou na discussão.

Stringer tuitou as cartas escritas aos presidentes da Delta Airlines e do Bank of America, com a mensagem "Que erro. Na verdade Julio César ajudaria no futuro".

"Sua decisão de restringir efetivamente a expressão do que é uma obra literária eterna envia uma mensagem equivocada. Socava a própria vibração da causa que elegem apoiar em primeiro lugar", escreveu.

"Como muitos nova-iorquinos e americanos, não acho que retirar vosso patrocínio seja o correto", acrescentou.

E Chelsea, filha da rival democrata derrotada por Trump, Hillary Clinton, e do ex-presidente Bill Clinton, também deu sua opinião.

"Iria vê-la? Provavelmente não. Protestaria ou me queixaria disso? Definitivamente não", respondeu a um internauta que lhe perguntou o que faria se Julio César fosse representado como seu pai ou sua mãe, e eles fossem assassinados.

A peça é representada em Nova York desde 23 de maio e continuará em cartaz até 18 de junho.