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A caótica primeira edição do Festival de Cannes em 1946

15/05/2017 10h00

Paris, 15 Mai 2017 (AFP) - Após o cancelamento da primeira edição em 1939 em consequência do conflito bélico, o Festival Internacional de Cinema teve início em Cannes em 20 de setembro de 1946, um ano após o fim da Segunda Guerra Mundial.

A caótica primeira edição foi marcada por latas de filmes misturadas, uma crise diplomática e muito improviso, mas as grandes obras da sétima arte já estavam presentes.

Os momentos lendários na Croisette também foram registrados já em 1946. O festival começou com uma gafe memorável do ministro do Comércio e Agricultura: "Declaro aberto o primeiro Festival de Agricultura".

O ministro deu início a uma longa série de enganos inesquecíveis, muitos provocados pelo nervosismo. Assim, 30 anos mais tarde, o grande cineasta Akira Kurosawa foi rebatizado como Harakiri Kurosawa e o italiano Ettore Scola virou Hetero Scola.

A criação do festival em 1946 foi o fruto de sete anos de preparação.

A ideia surgiu em 1939 como uma forma de rivalizar com a Mostra de Veneza, controlada por Mussolini, e os organizadores escolheram a cidade de Cannes, em detrimento de Biarritz, no litoral, para receber a primeira edição, prevista para acontecer de 1o. a 20 de setembro de 1939.

"O nome do festival já brilhava em letras de neon na fachada do cassino municipal quando a loucura dos homens apagou as luzes", escreveu Philippe Erlanger, um dos fundadores do evento.

No dia 3 de setembro a guerra foi declarada contra a Alemanha e as estrelas de Hollywood que já estavam em Cannes, como Tyrone Power, Gary Cooper e Norma Shearer, retornaram aos Estados Unidos.

- Rossellini, um dos primeiros vencedores -Logo após o fim do conflito, o projeto voltou a ser debatido.

Na época, o festival obedecia critérios diplomáticos. Os filmes exibidos eram selecionados pelos países convidados pela França e o regulamento estipulava que uma obra poderia ser retirada da competição se fosse suscetível de "ferir o sentimento nacional de outros países".

Rapidamente se formou uma grande bagunça. A projeção de um filme russo foi interrompida em diversas ocasiões. Falaram de sabotagem e a delegação soviética ameaçou abandonar o evento.

O filme "Interlúdio", de Alfred Hitchcock, foi enviado com as latas invertidas.

Mas tudo terminou com bom humor, com muitas festas, especialmente um evento mexicano, onde "a tequila fluía livremente", como recordou à AFP o crítico Robert Chazal, por ocasião dos 40 anos do festival em 1987.

Para não ofender ninguém, o primeiro Festival de Cannes premiou 11 filmes, um para cada país representado, que já incluíam obras-primas como "Roma, cidade aberta", de Roberto Rossellini, que marcou o início do neorrealismo italiano.

O júri também premiou "A Batalha dos Trilhos", do francês René Clément, e sua compatriota Michèle Morgan como melhor atriz por "Sinfonia Pastoral".

Para que a cidade de Cannes conseguisse manter a organização do evento no ano seguinte, o prefeito Raymond Picaud decidiu construir rapidamente um belo palácio.

"A cerimônia de abertura do segundo festival foi, no mínimo, curiosa ao apresentar todos os técnicos e operários que trabalharam na construção do edifício", recordou Robert Chazal.

"O palácio estava quase concluído, com exceção do teto, que foi substituído por toldos. Esta construção provisória resistiu até a véspera do encerramento, quando uma grande tempestade a levou. Para a premiação foram obrigados a voltar, às pressas, ao antigo cassino", disse o crítico.

Em 1948 e em 1950, os problemas orçamentários impediram a organização do festival.

Em 1949, a Palma de Ouro foi para "O Terceiro Homem", protagonizado por Orson Welles, e a partir de 1951 a mostra se consolidou.

O principal edifício já estava pronto e nele aconteceram todas as edições até 1983, quando foi transferido para o famoso 'bunker', justamente onde ficava o antigo cassino, local da primeira edição e que receberá este ano o Festival de Cannes de número 70.

doc-ber/alc/es.