Os segredos ocultos das mãos pintadas na Europa pré-histórica
Cáceres, Espanha, 3 Mai 2017 (AFP) - Uma caverna localizada na região oeste da Espanha esconde nosso vínculo mais íntimo com a pré-história: contornos de mãos estão pintados em suas paredes há dezenas de milhares de anos.
Está escuro e a temperatura é surpreendentemente quente na pequena caverna de Maltravieso, em Cáceres, na região de Extremadura. O arqueólogo Hipólito Collado e sua equipe não entravam nela há quase um ano, para não danificar as 57 mãos descoloridas.
Por que nossos ancestrais pintaram essas mãos nesta e em outras cavernas? Foi apenas para deixar sua marca ou parte de um ritual xamânico?
Essas pinturas podem nos dar pistas sobre o papel da mulher no Paleolítico, a era em que se começou a talhar pedras, que terminou há 10.000 anos?
Tentando lançar luz sobre algumas dessas perguntas, Collado, chefe de arqueologia do governo regional de Extremadura, se dedicou a catalogar as pinturas de mãos pré-históricas na Europa.
Praticando rapel em paredes íngremes ou deslizando debaixo de pedras, ele e outros arqueólogos visitaram caverna após caverna para escanear e tirar fotos de alta resolução de todas as pinturas de mãos que encontravam.
Arte inacessível ao alcance de todosO objetivo é criar uma base de dados na internet de livre acesso, no âmbito de um projeto chamado Handpas, financiado pela União Europeia, que permitirá a qualquer pesquisador no mundo consultar as imagens em 3D, sem ter que ir às cavernas.
É "tornar acessível a arte inacessível", explica Collado, enquanto revisa os sensores para detectar qualquer mudança nos níveis de CO2, temperatura ou umidade, desde a sua última visita a esta caverna.
Segundo Collado, foram encontradas pinturas de mãos em 36 cavernas da Europa, situadas na Espanha, França e Itália. Algumas estão acompanhadas de desenhos de animais e fósseis, mas o projeto se concentra nas mãos, o nexo mais humano com nosso passado distante.
Também foram encontradas mãos pintadas na América do Sul, Austrália e Indonésia, onde foi detectado, em uma caverna na ilha de Cebeles, um contorno feito há 40.000 anos, o mais antigo até agora.
Nessa época, o Homo sapiens - primeiro "humano moderno" - chegou à Europa, após surgir na África e viver em partes da Ásia.
Abundam teorias sobre o significado das mãos ou sobre o fato de que em algumas delas faltam dedos.
Tratava-se de um ritual? Esses indivíduos perderam os dedos pelo frio intenso? Ou, como diz a crença predominante, simplesmente dobraram os dedos ao fazer a pintura?
Se os cientistas conseguissem determinar que todas as mãos em uma área foram feitas por mulheres, surgiria a hipótese de "um sociedade matriarcal", diz um colega de Collado, José Ramón Bello Rodrigo.
Escalar na escuridãoOutra pergunta também sem resposta é se os Homo sapiens, ou possivelmente os homens de Neandertal, antes deles, simplesmente deixaram as marcas como uma forma de dizer que estiveram ali.
Esta possibilidade é descartada por Paul Pettitt, professor de arqueologia do Paleolítico na Universidade de Durham, no Reino Unido.
Seus estudos se concentraram em onde as pessoas colocavam suas mãos, e ele observou que em alguns casos os dedos parecem ter sido posicionados intencionalmente sobre protuberâncias nas paredes, como se as estivessem agarrando.
Muitas pinturas se localizam em partes profundas das cavernas. "Deve ter sido assustador, deve ter requerido um certo grau de esforço, e muita escalada na escuridão", dice Pettitt. "Isso não se faz só por diversão", aponta.
O que levaria, então, esses indivíduos a se esforçar tanto para pintar nas paredes?
O especialista francês em Pré-história Jean Clottes acredita que podia se tratar de uma forma de xamanismo.
"Provavelmente, aplicar pintura - que poderíamos chamar de pintura sagrada - sobre a parede cria um vínculo entre a pessoa que faz isso e a parede, e em consequência com os poderes que a parede pode conter", explica.
Collado acredita que algumas mãos que viu eram sinais de advertência.
Na caverna de La Garma, no norte da Espanha, "há um painel com mãos que está ao lado de um grande poço, que seria mortal. Isso certamente foi feito para dizer 'pare'", indicou.
O trabalho de documentação das pinturas de mãos também começou a ser feito na Itália, mas na França isso ainda não foi possível, visto que as autoridades do país não deram autorização, lamenta Collado.
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