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Arte contra a incerteza: Bienal de São Paulo em dias turbulentos

Da AFP

14/09/2016 16h50

O que a arte representa em um mundo de estruturas instáveis, angústias e mudanças constantes? Um refúgio, ou uma provocação? A 32ª edição da Bienal de São Paulo abraçou o espírito de seu tempo, com o título "Incerteza viva".

Até 11 de dezembro, 81 artistas apresentam na capital paulista criações que falam de morte e de luta pela terra, de espiritualidade, da energia que emana da decomposição, ou de solos que, de repente, tremem sob os pés.

Tudo para representar uma época de transformações, de grandes fluxos migratórios e de relatos sobre o fim do mundo.

E para ser, também, um reflexo da atualidade brasileira, semanas depois do impeachment de Dilma Rousseff e do fim dos 13 anos do Partido dos Trabalhadores (PT) no poder, cujo governo do ex-presidente Lula chegou a encarnar as esperanças de todo um continente.

"A incerteza é uma sensação que todos estamos vivendo atualmente, em várias dimensões, tanto individuais como em política global - com as mudanças climáticas, migrações e xenofobia", disse o curador da Bienal, o alemão Jochen Volz.

"E, embora estejamos inseridos nela, não há espaço para falar dessa sensação. Os políticos geralmente falam de certezas, enquanto que a Bienal pode ser esse espaço de debate, porque, de fato, a arte sempre se alimenta de incertezas", acrescenta.

Nadar no dilúvio
A maioria das cerca de 340 obras de 33 países expostas no amplo edifício do Parque Ibirapuera foi encomendada especificamente para essa mostra. O convite era para "abraçar" a incerteza, mais do que para mostrar um único caminho.

"É preciso buscar transformações materiais, ou de conhecimento, outros estados espirituais, porque o pragmatismo do nosso mundo já não é suficiente. E a arte tem o privilégio de tentar, de se equivocar e de voltar a procurar", afirma Volz, que mora no Brasil há anos.

Uma das primeiras obras expostas no início do percurso é uma espécie de parque de esculturas feito de troncos provenientes de florestas queimadas, uma criação do polonês radicado no Brasil Frans Krajcberg, para alertar sobre o cuidado do planeta.

Mais adiante, um laboratório de criação de fungos, dos lituanos Nomeda e Gediminas Urbonas, reflete sobre a possibilidade de novos materiais e conhecimentos em um reino que não seja o das plantas, nem o dos animais.

A alemã Hito Steyerl estudou as letras das músicas mais famosas da última década e descobriu que as palavras em inglês "Hell, yeah, we, fuck, die" são as que mais se repetem. Transformou-as em esculturas para debater sexo, violência e morte.

"Há muitos níveis de violência, mas ela está por todos os lados. Já não pisamos em terra firme, estamos nadando em um dilúvio", diz a artista.

Também se observa essa mesma lógica na obra da colombiana Carolina Caycedo sobre o rompimento, em novembro passado, em Mariana (MG), das barragens que liberaram uma devastadora avalanche de lama e rejeitos sólidos resultantes da mineração, deixando mortos e enterrando um povoado inteiro na cidade histórica de Mariana.

E a morte, talvez a única certeza que temos os humanos, fica estampada no vídeo-ficção do brasileiro Jonathas de Andrade, que mostra pescadores de pele curtida pelo sol abraçando e consolando os peixes agonizantes que acabaram de capturar.

Arte e política
Quando a mostra foi inaugurada, na semana passada, um grupo de artistas entoou o grito de guerra dos defensores de Rousseff e dos críticos ao impeachment: "Fora, Temer!", dedicado ao ex-vice-presidente que tomou as rédeas do poder.

Em seu primeiro discurso como presidente, em 31 de agosto, Temer declarou que a "incerteza chegou ao fim" no Brasil. "Dizer isso é absurdo. Ou, no mínimo, pretensioso", comenta Jochen Volz.

Na Bienal, há obras de conteúdo político explícito, como a do chileno Amilcar Packer, que vive e trabalha em São Paulo, intitulada "Oficina de imaginação política", destinada a propiciar debates e encontros durante os três meses de duração da mostra.

Em grandes quadros-negros, o público registrou críticas e reivindicações sobre a violência policial, os direitos sexuais e o aborto, entre outros temas.

Há obras que abordam a problemática indígena, com uma série de vídeos elaborados por membros de povos nativos que narram seus desafios e dramas na luta para preservar sua cultura e estilo de vida. Outra artista lembra o horror da escravidão na África.

Trabalhos como "Solo", do brasileiro José Bento, põem os sentidos em alerta nessa época de mudanças. O artista expõe uma estrutura de madeira que ocupa uma área de 627 m², onde o público pode caminhar tranquilamente - pelo menos até o momento em que o piso começa a balançar sobre uma cama de molas, que à primeira vista tinha passado despercebida.