O mundo do jazz comemora o centenário de Billie Holiday
Paris, 6 Abr 2015 (AFP) - O mundo da música comemora nesta terça-feira o centenário de nascimento de Billie Holiday, ou Lady Day, como era também conhecida esta diva considerada uma das maiores cantoras de jazz de todos os tempos.
Era descrita como uma mulher deslumbrante e que viveu sua vida a 200%, apesar de todos os dramas pelos quais passou.
Billie Holiday morreu com apenas 50 dólares presos em uma das coxas, apesar de ter se tornado uma lenda do jazz, tendo sido pioneira para gerações inteiras de cantores.
No final de sua vida, estava exausta pelo consumo de heroína, a perseguição policial e um marido que a espancava com tanta força que ela precisava manter suas costelas amarradas com fita durante os seus shows.
Quando seu corpo parou de lutar em 1959, aos 44 anos, ela estava com uma prisão decretada em uma cama de hospital pelo uso de drogas e suas economias se limitavam aos 50 dólares dados por um jornalista interessado em uma entrevista.
Mas, com o centenário do seu nascimento, neste dia 7 de abril, uma imagem mais rica de Billie Holiday emerge. Artistas, sem esquecer seus fracassos, prestam homenagem não apenas a uma voz inefável mas também a sua luta contra o racismo.
Quando o escritor Lanie Robertson escreveu a peça "Lady Day at Emerson's Bar and Grill", em que a cantora americana revisita sua vida na frente de um público escasso em uma de suas últimas apresentações, montada pela primeira vez em 1986, "sua imagem era depreciada por uma grande parte da população negra dos Estados Unidos", lembra o autor.
"Ela era um modelo terrível, viciada, bêbada, promíscua, não era uma 'boa mulher', explica Robertson.
"Mas houve um ano em que houve uma mudança total na opinião da sociedade sobre Billie Holiday. Ela passou a ser vista como a combatente pelos direitos civis, uma mulher que aguentou os piores pré-julgamentos e discriminação racial", acrescenta.
Segundo ele, "ela é um símbolo dos negros que combateram e lutaram por seus direitos".
Canções de engajamento
Billie Holiday foi vítima de racismo até mesmo em Nova York, onde precisava usar o elevador de serviço em hotéis de luxo.
Foi a primeira estrela do jazz a expressar a opressão dos negros, interpretando "Strange Fruit", o conto horripilante de um linchamento, pela primeira vez em 1939. Esta canção é muitas vezes associada a seu nome.
"Quando ela cantava quase podíamos ouvir uma mosca voar. O público mergulhava no silêncio", lembra Mikki Shepard, produtora do Apollo Theatre.
Esta célebre sala de shows de jazz no Harlem era uma das únicas, junto ao Carnegie Hall, onde ela podia se apresentar no final de sua carreira em razão de uma nova lei.
O Apollo vai celebrar seu centenário com uma série de eventos, incluindo uma apresentação de Cassandra Wilson.
Billie Holiday nasceu na Filadélfia (leste dos Estados Unidos), filha de uma empregada doméstica, sem pai e sem uma educação musical.
Em suas memórias, ela explicou ter aprendido jazz fazendo pequenos serviços em bordéis quando criança.
"Acredito que ela tocava as pessoas porque era verdadeira, autêntica", considera Mikki Shepard.
"O que eu acho fantástico, mesmo quando eu a escuto agora em 2015, é a sua grande musicalidade", diz Sara Lazarus, artista americana que vive em Paris. "Desde o início, ela era alguém fora do comum. As pessoas achavam que ela arrastava muito seu canto", acrescenta ela que prestou homenagem sábado à noite em Sunside, um clube da capital.
"Na verdade, muitas vezes, no final de suas frases, ela descia sua voz, um pouco como um saxofone que entoa um último suspiro", explica Sara Lazarus.
Segundo ela, dois elementos essenciais fizeram de Billie Holiday uma cantora extraordinária: a sua maneira de reescrever uma melodia e a forma rítmica de cantar uma frase.
"Ela dava vida e significado para as músicas, muitas vezes com um pouco de floreado, alterando a melodia e o ritmo", diz ela.
"Foi uma verdadeira, uma grande musicista. Ela ouvia Bessie Smith e ouvia Louis Armstrong, com quem aprendeu a liberdade rítmica, como colocar as palavras e as notas", confirma Franck Bergerot, editor da Jazz Magazine.
"Ao mesmo tempo que brincava com o drama de sua vida, ela tinha um jeito de cantar muito deslumbrante", descreve.
Desta forma, "Lady Day" trouxe, durante seus primeiros anos como cantora profissional nos anos 1930, um novo tom, quase subversivo, para a época.
'Timing infalível'
A mesma história com o cantor belga David Linx. "Foi, talvez, a primeira cantora a ser extremamente criativa no fraseado. Ela podia alcançar o fim do tempo, mas para ser capaz de cantar no final do tempo, você realmente tem de ter um ritmo individual muito forte. Ela tinha um timing infalível", decifra o cantor.
A estas qualidades se adicionam o timbre de sua voz, espumante e clara em sua juventude, antes de definhar em razão dos vários abusos - drogas ilícitas, álcool, tabaco - que marcaram a vida de "Lady Day".
A isto se acrescenta, diz Franck Bergerot, "uma grande sobriedade na interpretação" da parte de um cantora que "nunca forçava uma expressão".
Billie Holiday imprimiu sua assinatura vocal em grandes sucessos como "You've changed", "Yesterdays", "Lover man". Ela também revelou seu talento como "compositora" ao coescreveu clássicos como "Don't explain", "Somebody's on my mind", ou "God bless the child".
A vida de Billie, que "viveu a 200%", segundo David Linx, entre ascensão e queda, encenada em sua autobiografia "Lady sings the blues", escrita pelo jornalista William Duffy e publicada em 1957, também alimenta a literatura .
Dois livros foram recentemente publicados: "Vivre cent jours en un" (Editora Stock), onde Philippe Brossard tenta retratar os cem dias de uma turnê europeia concluída em novembro de 1958, menos de um ano antes de sua morte, e "Lady in Satin, Billie Holiday, Portrait d'une diva par ses intimes".
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