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Fãs do celuloide mantêm vivo o cinema analógico em Berlim

19/02/2015 07h55

Berlim, 19 Fev 2016 (AFP) - A revolução digital está acabando em quase todo o mundo com o cinema analógico, mas em Berlim um grupo de jovens cineastas continuam defendendo as virtudes do celuloide e se uniram para defender sua opção artística.

Entre os fãs do celuloide está um casal de brasileiros: Melissa Dullius e Gustavo Jahn, que apresentaram nessa semana seu primeiro longa-metragem, "Muito Romântico", na seção Forum Expanded do Festival de Cinema de Berlim.

O cinema digital mudou a sétima arte ao ponto de renunciar à realidade: de "Avatar" até a cena do ataque do urso em "O Regresso", os efeitos especiais conseguem resultados fora do alcance do celuloide fotoquímico.

Os projetores das salas que ainda operam com 35mm -cerca de metade da América Latina mas muito poucos na Europa- usam gruas portáteis para levantar bobinas que, após a montagem, podem superar 200 quilos.

Junto com as enormes máquinas de projeção, essas bobinas estão se transformando em coisa do passado e o digital reduz tudo isso a um simples disco rígido, conseguindo o mesmo resultado por um custo muito menor. E o mesmo acontece no própria momento da filmagem.

Mas nem todos os cinéfilos concordam que o resultado é o mesmo. Em Hollywood, o último episódio de "Guerra nas Estrelas" e o filme mais recente de Quentin Tarantino voltaram ao suporte analógico, que segundo seus defensores tem um grão, uma sensibilidade e uma definição superiores.

Desde que a Kodak faliu e a Fuji parou de fabricar filmes, na França, Alemanha, Estados Unidos e Canadá começaram a aparecer iniciativas a favor do cinema analógico. Algo parecido com o que aconteceu com os lps de vinil, também depreciados pelo digital e considerados uma mera sobrevivência nostálgica.

- Resistência criativa em Wedding -LaborBerlim, uma associação de cinema independente e sem fins lucrativos de Wedding, bairro popular boêmio no norte da capital, fabrica e processa à mão filmes de 16 mm.

Entre seus membros fundadores está o casal de brasileiros Melissa Dullius e Gustavo Jahn, que apresentaram nessa semana seu primeira longa-metragem, "Muito Romântico" na seção Forum Expanded da Berlinale.

Rodado em celuloide de 16 mm, o filme com elementos autobiográficos conta com licença poética sua viagem do Brasil à Alemanha a bordo de um cargueiro e a vida em Berlim, quando descobriram seu amor pela capital alemã.

Para eles, que preferem o celuloide "como um pintor opta pela tela", as virtudes vão muito além de questões técnicas. É quase uma forma de viver: enquanto no digital tudo se transforma em código binário, o analógico preserva o controle do homem sobre a máquina.

Como a viagem transatlântica de Melissa e Gustavo, longe do imediatismo do avião, o celuloide impõe seu próprio tempo, diferente.

"Dar tempo para que as imagens tenham sentido", explica Gustavo Jahn em entrevista à AFP. "Muitas das imagens de 'Muito Romântico' captamos e ficaram na geladeira por seis meses ou um ano e depois as revelamos e a pouco tempo as descobrimos".

- Berlim, cidade analógica -LaborBerlim tem cerca de 40 membros de nacionalidades diferentes. Alguns fazem cinema de ficção, outros documentário, formas mais experimentais ou simplesmente usam usam o celuloide para projeções em eventos artísticos.

Um laboratório de revelação e processamento de filmes de Colônia (oeste) que possuía máquinas projetadas especialmente por seu dono fechou suas portas e o site LaborBerlin-film.org lançou uma campanha participativa de "crowfunding" para comprar e dar uma segunda chance a elas.

Como artistas, os dois brasileiros dizem que Berlim -"uma cidade analógica"- deu "liberdade e autonomia" graças à sua rica vida social. Eles prestam homenagem à cidade no filme, especialmente aos fascinantes espaços da capital unificada, que pouco a pouco são ocupados por novas construções.

"Berlim é muito instável, está sempre mudando e isso pode ser muito excitante. O sistema que consiste na troca de coisas sem passar pelo comercial é muito bom no patamar humano, ainda que nem sempre facilite as coisas em outros planos".

Seu próximo filme analógico? Melissa adianta que será inspirado na escritora alemã Marie Luise Kaschnitz (1901-1974), cujos poemas o casal lê no tempo imóvel da viagem marítima de "Muito Romântico".