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A diferença e a indiferença entre os ataques em Paris e os crimes do Boko Haram

16/01/2015 16h31

Paris, 16 Jan 2015 (AFP) - A comoção causada nos países ocidentais pelo ataque contra a revista francesa Charlie Hebdo contrastou enormemente com a quase indiferença ante o massacre sem precedentes que os islamitas do Boko Haram realizaram na Nigéria.

Em seis anos de insurreição, os islamitas do grupo Boko Haram realizaram a ofensiva mais sangrenta contra uma cidade nigeriana, Baga (nordeste), no início de janeiro.

Apesar de o balanço exato destes ataques não ser ainda conhecido, os mortos podem chegar a milhares de pessoas, o que foi classificado pelo secretário de Estado americano John Kerry como "crimes contra a humanidade".

Muitos analistas ficaram surpresos com a fraca reação internacional aos massacres do Boko Haram, quando o ataque jihadista contra a Charlie Hebdo e os fatos posteriores em Paris, que deixaram 17 mortos, ganharam as primeiras páginas de todos os jornais do mundo por mais de uma semana, com enormes manifestações e indignação generalizada.

Depois do #EusouCharlie tuitado por milhões de pessoas, um novo slogam começa a aparecer nas redes sociais: #EusouNigeria.

Sob esta bandeira, milhares de pessoas postam charges que criticam a indiferença dos dirigentes mundiais em relação ao sofrimento de milhares de vítimas do Boko Haram.

A chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, admitiu que é hipocrisia não relacionar os jihadistas que atacaram em Paris aos integrantes do Boko Haram.

A Nigéria já causou uma forte comoção internacional em abril passado, por causa do sequestro do grupo islamita de centenas de meninas estudantes. O ato provocou uma mobilização inédita, do papa Francisco à primeira-dama Michelle Obama, sob o lema #Bringbackourgirls (#Tragamdevoltanossasmeninas).

Mas o movimento perdeu força e, sem surpresa, nada mudou em relação ao destino das meninas e adolescentes, que continua cativas ou então são usadas como crianças-bomba.

Depois, o número de novos sequestros ultrapassou em muito o drama da escola de Chibok. O grupo islamita ampliou ainda mais seu domínio no nordeste da Nigéria, chegando até o vizinho Camarões.

O atentado contra Charlie Hebdo afetou toda a França e a Europa, em meio ao direito de expressão de seus valores, e também de suas neuroses contemporâneas sobre o Islã, a imigração e laicidade.

Mas o silêncio a propósito do Boko Haram é pricipalmente nigeriano, enfatizam os observadores em Lagos. O presidente Goodluck Jonathan emitiu um comunicando condenando os ataques parisienses, mas até agora mantém silêncio sobre os acontecimentos sangrentos no noroeste do país.

Em plena campanha presidencial, viajou na quinta-feira pela primeira vez em dois anos para fazer uma visita surpresa a Maiduguri (noreste), reduto do Boko Haram.

O exército nigeriano se limitou, como é costume, a dar pouca importância aos recentes massacres cometidas nessa zona, de acesso muito difícil e de onde as informações saem com atraso e a conta-gotas.

"O goveno do presidente presidente está mais preocupado com sua reeleição do que em dar uma resposta ao Boko Haram", afirmou Marc-Antoine Pérouse de Montclos, analista político do Instituto Francês de Geopolítica.

De maneira mais geral, no sul da Nigéria, conde se concentram as riquezas do país e, em especial, as valiosas reservas petroleiras, é amplamente indiferente aos dramas que acontecem no distante nordeste.

E os ataques continuam acontecendo quase cotidianamente neste país de 178 milhões de habitantes.