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Patrick Modiano é arqueólogo da memória; conheça história do Prêmio Nobel

Selo que a Academia Sueca criou para Patrick Modiano, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2014 - Divulgação
Selo que a Academia Sueca criou para Patrick Modiano, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2014 Imagem: Divulgação

Da AFP, em Paris

09/10/2014 11h32

Arqueólogo da memória, que só escreve sobre o passado, especialmente sobre os anos 40, Patrick Modiano, premiado nesta quinta-feira (9) com o Nobel de Literatura, é o autor de uma obra singular, sempre à procura de identidade, variando entre o romance e o mistério.

A falta de carinho em sua infância o assombra. Podemos mesmo nos questionar se todo o seu trabalho não é uma longa carta para seus pais. Ainda assim, o jovem deu à literatura francesa quase 30 livros, incluindo muitas joias de melancolia e mistério.

Patrick Modiano publicou seu primeiro romance, "La Place de L'étoile", em 1967, aos 22 anos. Obteve em 1972 o Grand Prix du Roman da Academia Francesa com "Les Boulevards de Ceinture", o Goncourt em 1978 com "Rue des Boutiques Obscures" e o Grand Prix National des Lettres pelo conjunto de sua obra em 1996.

Desde então, o homem inquieto, perfeitamente cortês, conquistou o público com dramas como "Dora Bruder" (1997), "Un Pedigree" (2005), "Dans le Café de la Jeunesse Perdue" (2007) "L'herbe des Nuits" (2012) e "Pour que Tu Ne te Perdes Pas Dans le Quartier", seu 28º romance publicado em outubro de 2014.

Nele o autor mergulha mais uma vez em suas memórias. Uma citação de Stendhal, em destaque, dá o tom desta balada em que flutuam o abandono, os segredos e uma ameaça difusa: "Eu não posso dizer a realidade dos fatos, posso apenas apresentar sombras". Isto resume Modiano.

De seus livros, nasceu o neologismo "modianesco" para evocar um personagem (ou uma situação) nem lógica, nem absurda, no meio do caminho entre esses dois mundos, entre a luz e a sombra.

Modiano, que não sente gosto pela introspecção, considera que, quanto mais as coisas são misteriosas, mais são interessantes: "E mesmo onde não há, eu procuro encontrar o mistério", admitiu em "Um Pedigree", um texto autobiográfico.

Ocupação alemã

Não se sabe realmente de onde vêm seus personagens, às vezes recorrentes de um livro para outro, nem o que realmente pensam. A biografia de suas criaturas continua incerta. Encontramos alguns em uma Paris banal pelo olhar profano, mas de repente aparado, pela pena do escritor, de uma beleza cinza e nostálgica. Suas páginas estão cheias de nomes de ruas parisienses ou lugares suburbanos, de praças, cafés e estações de metrô.

Sobre muitos escritores podemo dizer que sempre escrevem o mesmo livro: isto é particularmente verdadeiro sobre sua obra homogênea, comovente e distanciada. Romances, que são como "as estampas de uma tapeçaria que teriam sido tecidas em um cochilo", em suas palavras. Reflexões longas sobre a realidade, escritas em uma linguagem convencional, precisa e sóbria.

"A ocupação é como um terreno no qual eu cresci", diz o escritor de 69 anos, que construiu vários de seus romances ("Remise de Peine", "Quartier Perdu", "Villa Triste") sobre este período. Pouco importa que ele não a vivenciou, ele foi capaz de expressar muito cedo a situação, muito complicada, da cooperação com os ocupantes alemães.

Seu pai, Alberto Modiano, judeu italiano próximo da Gestapo e do submundo, encontrou em 1942 em Paris uma jovem atriz flamenga, Louisa Colpeyn.

Três anos mais tarde nasceu o primeiro filho do casal, Patrick, em 30 de julho de 1945 em Boulogne, perto de Paris. O jovem Patrick viveu uma infância vagabunda e solitária, sofrendo longos períodos em pensionatos. Seu irmão mais novo, Rudy, morreu em 1957. Para ele o escritor dedicou seus primeiros livros.

Com humor, disse uma vez que sua mãe tinha o coração tão seco quanto seu cachorro, que abalado por sua indiferença cometeu suicídio pulando pela janela.

Aos 17 anos, decidiu nunca mais ver o pai odiado, que se tornou alvo de vários de seus livros. Cumpriu sua promessa. Parou de estudar ao final do ensino médio e, apoiado por Raymond Queneau, um amigo de sua mãe, começou a escrever: "Eu não tinha nem 20 anos, mas minha memória precedia meu nascimento."

Livro após livro --escritos à mão, para lutar contra o lado "abstrato" do exercício-- construiu o seu museu imaginário, fora de moda, até ser considerado um clássico na França. Seus livros vendem bem, inclusive no exterior, mesmo sem aparecer na televisão.

Alto, pálido, olhos suaves, o rosto um pouco doloroso, é conhecido por sua dificuldade em se expressar publicamente, por sua discrição e sua indiferença para com as honrarias, ele que se recusou a entrar para a Academia Francesa.

Casado desde 1970 com Dominique Zehrfuss e pai de duas meninas não optou pelo isolamento. Em 1974, escreveu, com o cineasta Louis Malle, o roteiro do filme "Lacombe Lucien", que conta a história de uma adolescente na França em 1944.

Ele é o autor de um ensaio com Catherine Deneuve sobre sua irmã falecida muita jovem, François Dorléac. Jurado em 2000 do Festival de Cannes, ele também escreveu letras de músicas como "Etonnez-moi Benoît!", interpretada por Françoise Hardy.

O autor teve alguns de seus livros publicados no Brasil, entre eles "Dora Bruder", "Uma Rua de Roma", "Ronda da Noite", "Vila Triste", "Meninos Valentes", "Filomena Firmeza" e "Do Mais Longe ao Esquecimento".