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Sentença contra Clarín agrava relação entre governos e imprensa na AL

01/11/2013 22h03

BUENOS AIRES, 02 Nov 2013 (AFP) - Uma sentença que obriga o grupo argentino Clarín a se desfazer de dezenas de rádios e emissoras de televisão traz de novo à tona a difícil convivência entre governos e veículos de comunicação na região, com tensões constantes no Equador e na Venezuela.

Na terça-feira, a Suprema Corte da Argentina deu razão à presidente Cristina Kirchner em sua disputa com o Clarín por quatro artigos da Lei de Meios, em particular um sobre desinvestimento. A sentença foi emitida quatro anos depois da aprovação da lei.

Nesse período, o influente grupo de mídia, um dos mais poderosos da América Latina, e o governo trocaram duras acusações que praticamente dividiram o país em dois.

Segundo o governo, a lei argentina tem como objetivo conter a concentração midiática e dar mais espaço a rádios e redes de televisão do interior do país, assim como criar oportunidades para ONGs, universidades e povos nativos.

"A mãe de todas as batalhas", definiu o principal promotor da lei, Gabriel Mariotto, hoje vice-governador da província de Buenos Aires.

"A lei (de Meios argentina) é um modelo para a América Latina. Hoje, o Uruguai está lançando uma lei parecida. É muito importante a democratização dos meios, a desconcentração e a possibilidade de dar a todo mundo acesso a diferentes tipos de meios", disse o relator especial para a liberdade de expressão da ONU, Frank La Rue.

Para a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol), a sentença "habilita o Poder Executivo a aplicar seu objetivo político de desmantelar o Grupo Clarín, limitando severamente sua margem de ação".

O Clarín considera que a norma é um ataque à liberdade de expressão e ao Direito Patrimonial do grupo que conta com 158 licenças de TV por assinatura, quatro canais de TV aberta, sete rádios em frequências AM e FM e seis canais a cabo. Além disso, acrescenta, a lei diminuirá consideravelmente o espaço das vozes independentes.



-- Inimigos a derrubar -- Um argumento similar é apresentado por veículos críticos em países como Equador e Venezuela, que também são considerados "desestabilizantes".

"A percepção geral é que os governos escolheram a imprensa como um dos principais inimigos a derrubar. A existência desses supostos inimigos é a base do discurso, sobre a qual (os governos) constroem seu poder", disse à AFP Kristin Wesemann, representante da Fundação Konrad Adenauer na Argentina.

O professor de Jornalismo e Democracia da Universidade Austral da Argentina Fernando Ruiz disse à AFP que "os governos têm o direito de questionar os conteúdos jornalísticos, mas não a exercer represálias econômicas, legais, ou de qualquer outro tipo".

"Na Argentina, não existem ameaças significativas à liberdade de imprensa e, no Equador e na Venezuela, certas disposições legais polêmicas podem dar lugar a situações mais complicadas", afirmou o professor de Ciência Política e Estudos Internacionais do Instituto Di Tella Philip Kitzberger.

O governo de Kirchner é acusado de utilizar a pauta publicitária do Estado para perseguir seus opositores.

A Corte advertiu, em sua sentença, que a lei "perderia sentido sem a existência de políticas públicas transparentes em matéria de publicidade oficial" para evitar que "os meios de comunicação se transformem em meros instrumentos de apoio a uma corrente política determinada, ou em uma via para eliminar a discordância e o debate plural de ideias".

O diretor da Escola de Comunicação Social da Universidade de Buenos Aires, Glenn Postolski, disse que, na América Latina, existe "uma aliança entre veículos e poderes econômicos que desenvolveu sistematicamente uma caracterização estigmatizada e desvalorizante das lideranças dos processos políticos".

Assim como na Argentina, a Lei de Comunicação do Equador, sancionada em junho, redistribui as licenças de rádio e televisão mediante a redução para 33%, no caso dos meios privados (que dominam o espectro), e concede 34% para os veículos comunitários e 33% para os públicos sob o argumento de democratizar as comunicações, em meio a um duro conflito entre parte da imprensa e o presidente Rafael Correa.

O diretor dos Estudos de Comunicação da Universidade Andina Simón Bolívar do Equador, José Laso, comentou que, com essas leis, corre-se "o grande risco de passar de um monopólio privado para um monopólio público". Ele citou como exemplo o caso da Venezuela, onde há "uma tendência do Estado a se tornar a única voz da sociedade".

Ele advertiu, porém, que também há uma tendência "a se monopolizar por parte de setores privados".

Na Venezuela, a relação do governo com os meios de comunicação tem sido de confronto desde os tempos do falecido ex-presidente Hugo Chávez e se manteve com seu sucessor, o atual presidente Nicolás Maduro.

O diretor do "Espacio Público", Carlos Correa, declarou à AFP em Caracas que Maduro causou um "reposicionamento" da relação com os meios, seguindo a linha de Chávez. Mas "agora com mais intensidade e com outros mecanismos de pressão", completou.

Ele lembra da venda, em maio, do canal de notícias Globovisión, há anos crítico ferrenho do governo e único espaço que dava cobertura para o líder opositor Henrique Capriles.

Os novos donos anunciaram um giro de sua linha editorial para o "centro" e deixaram de transmitir ao vivo as intervenções de Capriles. Apesar da mudança de perfil, o canal já recebeu seu primeiro "processo sancionatório" pela transmissão de um programa investigativo relacionado à escassez cíclica de produtos básicos.



-- Violência, a maior ameaça -- Ainda sobre a situação da imprensa na região, o responsável para as Américas da organização Repórteres sem Fronteiras, Benoît Hervieu, considera que a liberdade de expressão se vê ameaçada, sobretudo, pela atuação do narcotráfico em vários países da região.

"A preocupação maior com o pluralismo continua sendo a violência. Para que haja pluralismo, são necessários jornalistas vivos: como no México e na América Central, onde há narcotráfico e infiltração do crime organizado nas instituições", disse Hervieu à AFP em Buenos Aires.



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