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O sonho europeu da imigração ao Brasil na monumental saga alemã "Heimat"

21/10/2013 12h02

PARIS, 21 Out 2013 (AFP) - O sonho do ser humano com um mundo novo, que para muitos europeus foi representado pela imigração ao Brasil no século XIX, é o destaque no novo filme da monumental epopeia cinematográfica alemã "Heimat".

O filme do diretor Edgar Reitz é a "prequência" de uma história impressionante tanto na forma como no conteúdo, e que já totaliza 56 horas de cinema e 25 anos de produção, dimensões poucas vezes alcançadas na história da sétima arte.

A saga acompanha a vida cotidiana da família Simon e dos habitantes do vilarejo de Schabbach, na região das montanhas Hunsruck, sudoeste da Alemanha, de meados do século XIX até depois da queda do Muro de Berlim. "Heimat" é uma palavra alemã de difícil tradução, que inclui os conceitos de pátria e terra.

A aventura teve início na televisão e depois passou para o cinema, em 1984.

"Heimat 1, Uma Crônica Alemã", Prêmio da Crítica Internacional na Mostra de Veneza, contava em 15 horas e 40 minutos a vida do vilarejo, apresentado em quatro partes no cinema e em 11 episódios para a televisão, desde a chegada do nazismo até a Segunda Guerra Mundial.

"Heimat 2, Crônica da Juventude", de 1992 (25H30) e igualmente premiado em Veneza, relatava as ilusões dos anos 1960-1970 e a ameaça do terrorismo. "Heimat 3, Crônica de uma Mudança de Época", narrava em 11 horas a queda do muro de Berlim e o sonho de uma nova Alemanha entre 1989 e 2000.

"Heimat 4", exibido em agosto no Festival de Veneza e mês passsado no Festival de Cinema do Rio de Janeiro, é uma produção de quatro horas de duração que leva o espectador ao passado, entre 1842 e 1844.

O filme é dividido em duas partes, "Heimat, a outra pátria" e "Heimat, Crônica de uma Sehnsucht", outra palavra de difícil tradução, que implica por sua vez nostalgia e anseio indefinido. Com exceção talvez do português: "saudade" evoca algo parecido.

Durante aqueles anos, dezenas de milhares de alemães abalados pela fome, pobreza e arbitrariedade dos governantes decidiram imigrar para a América do Sul, estimulados pela ideia da Revolução Francesa de que cada pessoa tem direito de sua própria felicidade.

O Brasil encarnou este sonho para o protagonista Jakob Simon, que passa muito tempo entre livros, aprendendo várias línguas, inclusive alguns idiomas indígenas, diante do olhar receoso de seu pai, camponês e analfabeto.

A Prússia, cujas fronteiras englobavam desde 1815 a região de Hunsruck, havia determinado o ensino obrigatório. A maioria das crianças nascidas a partir de 1810 sabia ler e escrever.

Jakob sonhava em unir-se a um dos grupos que percorrem os campos da Alemanha e abandonar o pouco que possui para realizar o sonho no Brasil. Do outro lado do Atlântico, o imperador Pedro II enviava agentes para recrutar trabalhadores, especialmente em regiões de agricultores, assim como mão de obra qualificada: sapateiros, padeiros, ferreiros, carpinteiros, etc.

"Hoje em dia é difícil imaginar o que realmente representava a imigração, porque atualmente na Alemanha só conhecemos a outra face do problema, por viramos um país com imigrantes", explica Reitz.

O retorno do irmão soldado, Gustav, vai desencadear uma série de eventos que abalam os planos do protagonista e o desejo de viajar ao Brasil.

A vida é dura na aldeia. A câmera não esconde nenhum detalhe, como os pratos quase vazios nas horas das refeições ou o trabalho árduo da vida cotidiana. Quando um homem para de trabalhar é porque está morto. As mulheres o limpam e o vestem com o terno usado para comparecer à igreja no domingo.

As imagens em preto e branco, com a incrível luminosidade captada pelo diretor de fotografia de Gernot Roll, a pesar das cenas em ambientes fechados mal iluminados, recordam cenas de filmes expressionistas alemães (Lang, Murnau), de cineastas russos como Eisenstein ou do dinamarquês Carl Theodor Dreyer.

"Mas aqui o fator digital dá ao preto e branco uma definição e uma claridade extraordinárias" , ressalta o diretor, que graças a técnicas modernas utilizou em algumas ocasiões efeitos de cor - o azul das flores de linho nos campos ou o dourado de uma moeda -, como metáforas líricas ou notas de esperança.

Encontrar o ator adequado para interpretar Jakob Simon não foi nada fácil.

"Ele deveria ser capaz de falar o dialeto, estar disposto ao compromisso pela aventura, ter um lado natural ou inocente, mas ao mesmo tempo capaz de lutar para realizar seus sonhos", destacou o cineasta.

Ele optou finalmente por um estudante de Medicina, Jan Schneider, que de acordo com Edgar Reitz "não tinha a intenção de virar ator".

Segundo o diretor, o jovem compareceu ao teste de elenco "um pouco por curiosidade e porque estava interessado no filme".