| 07/07/2007 - 15h07 Nobel Nadine Gordimer diz ser doloroso ainda falar do apartheid na África do Sul MARINA CAMPOS MELLO Em Paraty (RJ) Folha Imagem Escritora sul-africana participou de mesa ao lado de Amós Oz | A sul-africana Nadine Gordimer, ganhadora do Prêmio Nobel no ano de 1991, e o israelense Amós Oz participaram na noite desta sexta-feira (6) na Flip, a Festa Literária Internacional de Parati, do debate "Panteras no Porão" -nome inspirado em uma das obras de Oz. A sincronia dos escritores era digna de um jogral, o que tornou quase desnecessária a participação do mediador, o jornalista Angel Gurría-Quintana que, de forma mal-sucedida, vez ou outra tentou instalar um toque de divergência ao bate-papo.
Antes do inicio das discussões, o mediador já havia prometido à platéia que os escritores, ambos originários de "nações divididas", "bailariam" como um casal no palco da Tenda dos Autores. Nadine e Amós Oz se conheceram há dez anos. Desde então, eles participam juntos de eventos literários, o que ajudou a afinar o discurso da dupla. Discurso este pontuado por frases de efeito próprias para desencadear séries de aplausos e risos no público da Flip, ávido por mensagens ao mesmo tempo politicamente corretas e espirituosas.
"Os israelenses lêem livros para ter raiva e não para o seu deleite", brinca Oz ao comentar que recebeu "cartas de ódio" em seu pais por defender, por meio de seus livros, a convivência pacífica entre árabes e judeus em dois territórios separados, o Estado de Israel e a o da Palestina. Oz iniciou sua participação na mesa com a leitura de trecho de seu livro de memórias "De amor e trevas" (2005). Nele, o tema da convivência é novamente abordado, assim como o da ambigüidade moral de cada ato de quem vive uma situação de conflito. Logo no primeiro capítulo, um judeu se questiona se deve comprar um queijo produzido em um "kibutz" ou um tipo similar do laticínio vindo de Lifta, uma aldeia árabe vizinha. Seria uma traição ao sionismo?
Apesar do evidente teor político, Oz nega que sua obra seja exclusivamente política e brinca com a leitura alegórica de sua produção literária. "Se eu começar um romance com um pai, uma mãe, uma filha e a mesada que dão para a filha, dirão que o pai é Israel, a mãe é a Palestina e a mesada, a taxa de juros", diz aos risos. Segundo o escritor, a família seria a sua principal matéria-prima. "A instituição da família é a mais misteriosa, paradoxal e complexa que existe. Se me deixassem escolher entre ir visitar o planeta Marte ou me transformar em uma mosquinha para pousar na parede da casa de uma família, eu, sem duvida, preferiria ser a mosquinha", diz.
Nadine, que teve parte de seus livros banidos da África do Sul durante o apartheid, considera indissociável em sua obra a vida privada da vida política. "Qualquer tipo de investigação da espécie humana é uma atividade política. E a política também interfere na vida íntima das pessoas. Até a vida sexual dos cidadãos era afetada no período do apartheid", diz.
A escritora, um dos símbolos da luta contra o regime de segregação racial, parece já cansada de ser questionada sobre o assunto e diz ser dolorosa a leitura de seu trabalho como alegoria política, principalmente após o ano de 1994, que marcou o fim do regime que combatia. "As pessoas sempre me perguntam sobre a época do apartheid, mas já faz um bom tempo que ele acabou [1994]. Temos que falar de outras coisas, como a experiência e a convivência pós-apartheid", diz. Em "De Volta à Vida", seu mais recente livro lançado durante a Flip, a autora aborda os problemas ambientais por meio de uma doença do protagonista.
Ao comentar o processo de criação de personagens, Oz deu dicas para o árduo exercício da convivência e finalizou o debate sob aplausos entusiasmados: "A curiosidade em relação ao outro e a imaginação têm valor moral. Imagine-se no lugar do outro e você será uma pessoa melhor", disse. E completou: "Alem de uma pessoa melhor, eu lhes asseguro que o processo também lhes tornará melhores amantes".
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