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Entre vodca e brigas, atrizes encenam a própria vida em "Vermelho Russo"

"Vermelho Russo", de Charly Braun, estreia em 27 de abril - Divulgação - Divulgação
"Vermelho Russo", de Charly Braun, estreia em 27 de abril
Imagem: Divulgação

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

25/04/2017 13h18

Um dos maiores gurus do teatro, o russo Constantin Stanislavski (1863-1938) dizia que um ator precisa aprender a ser outra pessoa e continuar sendo ela mesma. Em busca do santo graal na arte da representação, as atrizes Martha Nowill e Maria Manoela foram até Moscou em 2009 para uma imersão completa no método do diretor e ator russo. Voltaram dois meses depois, de ressaca: a amizade ficou balançada por conta de uma briga e as inseguranças ficaram à flor da pele.

A dor e o prazer da jornada foram escancarados em um diário escrito por Nowill, publicado na revista Piauí, e atiçou o diretor Charly Braun. Após ter pensado por que raios ele não se enfiou na viagem das amigas, o cineasta propôs a loucura de refazer toda a rota. Na pele das personagens, não havia representante melhor do que as próprias atrizes.

Charly Braun: "É tudo ficção e é tudo verdade" - Divulgação - Divulgação
Charly Braun: "É tudo ficção e é tudo verdade"
Imagem: Divulgação

Entre copos de vodca e intensas geadas, a volta à Rússia, documentada no filme “Vermelho Russo”, que estreia nesta quinta-feira (27), foi mais intensa do que se imaginava. “As pessoas me perguntam: E aí o Stanislavski? Vocês conseguiram?” conta a atriz Maria Manoela. “Eu diria que depois de fazer um filme desses posso dizer: a gente conseguiu.”

No segundo longa-metragem de Braun (de “Além da Estrada”), Martha vive Marta, e Manoela é Manuela, embora a variação na grafia não impeça que a realidade tome espaço no roteiro escrito por Braun e Nowill, premiado no último Festival do Rio. “É tudo ficção”, pontua o diretor. “E é tudo verdade”.

Mesmo com a liberdade ficcional -- no lugar de um alojamento para estudantes de teatro, no filme as atrizes se hospedam em um retiro de artistas do cinema soviético --, elas encenam a si mesmas ensaiando “Tio Vânia”, do dramaturgo russo Anton Tchekhov, assim como fizeram em 2009, quando a ideia era fazer uma montagem da peça no Brasil. Mas o jogo no cinema vai além da atuação.

“Eu identifiquei nessa história algo como olhar no buraco da fechadura”, conta Braun, ele mesmo dissidente dos métodos do russo. “Eu queria desvendar um pouco esse processo do ator. De todas as artes, a do ator é mais misteriosa.” Mas confessa que foi captado por outra narrativa. “Me interessei pela amizade e pela história do íntimo.”

Martha Nowill como Marta e Maria Manoella como Manu: Versões ficcionais e não menos verdadeiras de si mesmas - Divulgação - Divulgação
Martha Nowill como Marta e Maria Manoella como Manu: Versões ficcionais e não menos verdadeiras de si mesmas
Imagem: Divulgação

Interpretando a si mesma

Para recriar a si mesma na ficção, Martha foi buscar seu eu mais ‘clownesco’. “É um lugar muito louco de pesquisa interna. A gente se questionou muito. Quem é essa personagem? Sou eu? Não sou eu? Sou eu há dez anos? Sou eu em um lugar que nunca estive?”, pergunta-se a atriz ainda hoje. “Eu cheguei à conclusão de que minha personalidade mais ingênua me guiou para encontrar essa Marta sem H. Somos quase uma caricatura da gente.”

A briga entre as amigas, que aconteceu de verdade, foi reencenada durante as filmagens em 2014 com uma dedicada raiva. No fim, o peso da dramaturgia russa foi mais literal: “Manoela tacou um livro de poesia russa em mim que fez um talho no meu pé. Até hoje está cicatrizando”, conta Nowill, rindo.

O método, no fim, é colocado à prova com uma imersão na própria intimidade das atrizes.

“Foi isso que me interessou. Contar uma verdade mesmo”, conta o diretor, apaixonado pelo gênero do ‘road movie’. “Neste caso, é quase um 'metrô movie', de tanto que elas se locomovem por Moscou, mas não deixa de ser uma viagem. Um dos fundamentos é que o conflito é muito mais exterior do que interior. É mais sutil esse conflito.”

Abrir ainda mais a intimidade, que já ganhara destaque na revista Piauí e em um blog, dava uma preocupação um tanto prosaica à atriz. “A gente ficar exposta e ainda em um filme ruim, aí seria foda”, conta Nowill.

“Nossa batalha lá era que essas cenas tinham que ser melhores do que realmente foram, melhor do que aquela que a gente viveu. Eu cheguei nesse lugar. Sou apaixonada pelo filme, tanto quanto sou pelo que a gente viveu”, observa.