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Prêmio à fantasia? Nobel vai para autor comparado a George Martin e Tolkien

Rodrigo Casarin

05/10/2017 08h41

Em crítica ao jornal "New York Times", em 2015, Alexandra Alter apontou que "O Gigante Enterrado", romance mais recente de Kazuo Ishiguro – que acaba de ser nomeado Nobel de Literatura de 2017 -, apresentava um rompimento na obra do autor que se reinventa a cada livro. A obra "vagueia descaradamente pelo território de George R. R. Martin e Tolkien, é uma mudança mais pronunciada".

"O Gigante Enterrado", publicado por aqui pela Companhia das Letras, se passa em uma Inglaterra em conflito após a queda do Rei Arthur, onde os habitantes precisam se defender de ataques tanto de inimigos humanos quanto de criaturas fantásticas, como ogros e dragões. Em entrevista à Folha, o autor disse que o romance era sobre "as coisas que escolhemos esquecer na hora de formar uma sociedade, ou de construir um relacionamento longo. Não existe relação humana possível que não tenha gigantes enterrados no quintal".

É parcialmente surpreendente e ao mesmo tempo salutar que a Academia Sueca premie um autor cujo trabalho mais recente seja comparado a nomes como George R. R. Martin, de "A Guerra dos Tronos", e Tolkien, de "O Senhor dos Anéis". Surpreendente porque a fantasia não costumava ser vista com os mesmos olhos de uma literatura mais realista, parcialmente surpreendente porque já no ano passado o Nobel tinha evidenciado uma pegada mais pop ao nomear Bob Dylan e salutar porque mostra que a fantasia bem trabalhada tem exatamente o mesmo valor literário que qualquer outro gênero da literatura – algo que em 2017 já deveria ser evidente.

No entanto, apesar de ser, de certa forma, um prêmio à fantasia, seria errado encaixarmos Ishiguro nessa caixinha – se é que precisamos encaixá-lo em algum canto. Como já dito anteriormente, sua obra é marcada pelas rupturas de um livro para o outro, ou seja, por diferentes maneiras de encarar a literatura.

O autor nasceu em Nagazaki, em 1954, mas mudou com sua família para a Inglaterra quando tinha cinco anos – por isso foi nomeado Nobel como um britânico. A memória, a passagem do tempo, a difícil relação entre as pessoas e o senso ilusório de conexão com o mundo, como apontou a Academia Sueca, são alguns dos principais elementos trabalhados seus livros. São do escritor títulos como "Uma Pálida Visão dos Montes", de 1982, seu romance de estreia, "Não Me Abandone Jamais", "Noturnos" e "O Vestígio do Dia".

"O Vestígio do Dia", aliás, foi vencedor do Booker Prize de 1989, adaptado para o cinema e um dos responsáveis por projetar o autor internacionalmente. Nele, um mordomo relembra as três décadas de trabalho na casa de um nobre britânico. Assim que o lugar é ocupado por um novo dono, um endinheirado dos Estados Unidos, o mordomo sai de férias em uma viagem pelo interior da Inglaterra, onde irá se deparar e se debater com parte de seu passado e refletirá sobre o que fez da vida marcada por certas polêmicas e dilemas morais.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.