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Único longa brasileiro em Cannes narra aventura trágica e agrada crítica

Bruno Ghetti

Colaboração para o UOL, em Cannes

23/05/2017 12h48

O Brasil veio sem força a esta edição do Festival de Cannes. Sem nenhum filme na disputa pela Palma de Ouro, o país tem seu único longa no evento exibido na mostra paralela Semana da Crítica (Semaine de la Critique): o drama com toques documentais “Gabriel e a Montanha”, dirigido pelo carioca Fellipe Barbosa (de “Casa Grande”). Mas se foi esnobado pela competição oficial, ao menos o filme teve boa acolhida do público – nas duas primeiras sessões, para o público e a imprensa, foi aplaudido.

O curador e delegado geral da Semana da Crítica, Charles Tesson, explicou em breves palavras o que o levou a incluir o brasileiro em sua mostra. “É um filme precioso, jovial, único”, disse, ao apresentar o longa para o público na sessão oficial no último domingo, no Espace Miramar, na Croisette. “O filme aborda um tema cinematográfico por excelência: a viagem. Procura entender por que e como nós viajamos”, disse Tesson, destacando como principal qualidade do longa de Barbosa a “simplicidade” como foi feito.

De fato, “Gabriel e a Montanha” não é um longa afeito a maiores rebuscamentos. Narra uma história verídica: a viagem aventureira do jovem economista Gabriel Buchmann, amigo pessoal de Barbosa, à África, que culminaria em sua inusitada morte, ao tentar escalar uma montanha no Maláui, 2009. A primeira cena do filme, aliás, já mostra o corpo sendo encontrado, e o diretor faz, a partir dali, uma tentativa de compreender como aquele rapaz idealista e saudável morreu de forma tão inesperada. E mais que isso: procura compreender o que o levava a buscar em suas viagens.

“Era uma coisa de aventura, mesmo, acho que ele tinha uma atração por isso, pela viagem. O pai dele era muito aventureiro, então também era uma forma de busca paterna”, diz Barbosa sobre Gabriel, que, na verdade, estava na África como parte de um projeto acadêmico de seu doutorado em Economia. Mas, em suas andanças, o rapaz da alta burguesia carioca absorvia ao máximo a cultura africana e se entregava o quanto podia ao convívio com os habitantes dos locais onde visitava.

O filme tem cenas rodadas em países como Quênia e Maláui. “Onde ele estava mais feliz, mais realizado, era com o povo. E é muito forte a conexão que temos com eles [os africanos]: com a ginga, o futebol, a música, a comida... A gente sente que veio de lá, de fato”, diz o diretor.

Barbosa estava no cinema em que foi exibida a primeira sessão do seu filme em Cannes. “Eu sei que tem gente, uma meia dúzia, que saiu da sala [durante a sessão], e na hora fiquei angustiado. Mas no final, olhei para trás, e vi que tinha muita gente chorando. Fiquei muito arrepiado... A verdade é que eu estou já há um mês chorando”, diz, referindo-se a quando soube que seu longa participaria do festival.

Mas entre os brasileiros, tal comoção, pelo menos em Cannes 2017, foi restrita a ele. A ausência de títulos nacionais na mostra francesa contrasta com a expressiva participação do país no Festival de Berlim, em fevereiro passado, quando um longa foi exibido em competição (“Joaquim”, de Marcelo Gomes) e outros oito passaram por mostras paralelas. No ano passado, Cannes selecionou “Aquarius”, de Kleber Mendonça Filho, para disputar o prêmio principal. Procurada pelo UOL, a direção de Cannes preferiu não se manifestar a respeito da “rejeição” ao Brasil desta vez, mas o fato de Berlim ter selecionado tantos filmes nacionais certamente contribuiu para isso: houve menos opções nacionais para a mostra francesa.

“É muito difícil entrar aqui. E todo ano a gente sabe que tem tanta gente na fila de espera, tentando entrar até o último segundo, mas recebendo um ‘não’”, diz Barbosa. De qualquer forma, não é uma birra específica de Cannes contra o Brasil: neste ano, nenhum dos 19 longas na competição oficial é latino-americano. Não há também nenhuma obra na briga pela Palma de Ouro vinda da África ou da Oceania; no 70º aniversário de Cannes, o diretor Thierry Frémaux voltou unicamente os olhos ao hemisfério Norte, mais especificamente ao eixo EUA – Europa – Ásia.

Mas o júri da competição da Semana da Crítica reserva mais um pouquinho de Brasil: neste ano, o presidente é justamente Kleber Mendonça Filho. O diretor de “Aquarius” é, inclusive, amigo de Barbosa: isso poderia favorecer “Gabriel e a Montanha” na premiação da Semana da Crítica?

“Está nas mãos dele: eu não tenho nada a ver com isso. A gente é amigo, mas ele é um cara extremamente justo”, diz Barbosa. “Mas acho que deve ser difícil para ele defender meu filme muito aguerridamente, porque talvez fique um pouco constrangido também... Mas não sei, é uma pergunta que tinha que ser feita a ele”.
Antes de partir para Cannes, Mendonça falou com a reportagem. “As chances de presidentes de júris de países que produzem filmes verem filmes dos seus países em competição é sempre razoável. E o Brasil passa por momento excelente no cinema”, disse Mendonça. “Imagino que [eu e] meus colegas jurados estrangeiros, todos juntos, teremos uma excelente troca de ideias. E torço para que cada vez mais o Cinema Brasileiro esteja em festivais importantes como Cannes, seja com filmes, com presidentes de júris, ou ambos.”