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Fofa e divertida, animação brasileira Lino só derrapa como produto

Roberto Sadovski

07/09/2017 13h44

"A gente não tá pedindo favor nenhum aqui", começa Selton Mello, que empresta a voz para o protagonista da animação Lino. "Não é filme coitadinho que precisa de favor pro pessoal ir ao cinema dar uma força. É filmaço, tem qualidade, é cinemão!" O desabafo é certeiro. Lino, que marca estreia na direção de Rafael Ribas, é uma animação digital super colorida, que tem na criançada da geração imediatamente pós-Galinha Pintadinha seu público-alvo, um espaço ocupado por produções da Discovery Kids na TV mas que andava ignorado nos cinemas. Ou seja, não é o universo de Shrek, montado na ironia e na desconstrução. Não é algo como Madagascar, com a bicharada antropomorfizada lidando com questões bem adultas. É filme pra criança que, se não tem fôlego (leia-se "grana") para competir com os primos ricos em termos de produção, exala um certo gingado brasileiro ao transparecer um escopo bem mais vultoso do que realmente tem.

Lino – Uma Aventura de Sete Vidas é criação total de Ribas, cujo DNA para a animação é de família. Seu pai, Walbercy Ribas, é um dos pioneiros da animação nacional, criador do Grilo Feliz (que foi mascote da marca de eletrônicos Sharp) e de uma dúzia de comerciais que vai fazer seu lado nostálgico aflorar, como o homenzinho azul dos Cotonetes e a barata Rodox. O Grilo ganhou vida própria e um longa em animação em 2001, feito com técnicas tradicionais. Em 2009, saltou para uma continuação digital, já com Rafael como co-diretor. No ano seguinte, ele teve a ideia do sujeito azarado que só consegue emprego como animador de festa infantil – e que se transforma no gato gigante de sua fantasia ao se envolver com um mago mezzo picareta. Em 2014, o projeto ganhou tração, uma "casa" na Fox e um orçamento considerável, ainda que bastante apertado. "O dinheiro que tive para rodar foi menor que o esperado", conta Rafael, em seu escritório na produtora StartAnima. "No fim, as decisões ao longo do processo criativo eram ditadas por quanto a gente ainda tinha para colocar no filme."

Lino (Selton Mello), o sujeito mais azarado do mundo

Se fazer cinema no Brasil ainda é uma luta, criar um longa de animação pode ser desesperador. A falta de continuidade na indústria da animação fez com que boa parte da equipe do filme já esteja de malas prontas para trabalhar em estúdios fora do Brasil. "Muita gente foi formada fazendo o filme", entrega o diretor. "Se eu fizer uma continuação, terei de formar uma turma nova." Lino surge, portanto, como exemplo do verdadeiro espírito empreendedor do brasileiro. "Já me perguntaram onde estaria a 'brasilidade' no filme", continua Ribas. "Eu digo que ela não está nos símbolos tradicionais do país para o resto do mundo, e sim numa equipe incrível que faz 10 mil parecer 10 milhões." Nesse sentido, Lino é um produto esperto, com sua trama ambientada em uma metrópole genérica que pode ser traduzida para qualquer país. "Claro que a gente faz concessões, fazer cinema é um processo colaborativo", ressalta. "Muita coisa que você vê no filme surgiu com conversar com os produtores, com o estúdio, para deixar o humor mais universal. Mas o centro da história sempre foi o mesmo."

Se existe uma concessão "moderna" em Lino é sua preocupação com diversidade. Mas os elementos surgem de forma orgânica, desenhando uma trama simples mas nunca simplória. O protagonista (com voz de Selton Mello) é o protótipo do "perdedor" no cinema, com a vida pontuada por oportunidades perdidas e um azar quase sobrenatural. A gota d'água é ser despejado de seu apartamento, o que faz Lino procurar um "guru esotérico", Don Leon (Luiz Carlos de Moraes). Um encantamento acidental tem efeito contrário, e ele deixa de ser um sujeito com uma roupa de gato para se tornar um gato gigante. A partir daí, o filme tem uma trama sólida: Lino precisa reunir três objetos místicos para tentar reverter o encanto, ao mesmo tempo em que tem de fugir da polícia – um vizinho bandido usou sua fantasia para roubar uma joalheria na noite anterior, o que coloca o herói como principal suspeito. Na jornada, não faltam referências a marcos da cultura pop e uma sub trama romântica, tudo resolvido de forma leve e redondinha, seguindo a cartilha dos gigantes da animação mundial.

Nada como trabalhar com crianças fofinhas…

Só uma coisa não vai na corrente do cinema de animação mundial. Minha teoria: a criançada que curte esse tipo de produto quer dar continuidade à experiência ao sair do cinema. É o que garante a consolidação dos personagens e a vontade de assistir ao filme repetidas vezes. Mas esse Uma Aventura de Sete Vidas, embora correto como audiovisual, peca como produto ao não estar estampado em brinquedos ou no lanche feliz da saída da sessão. "Isso realmente é a parte que me deixa triste", explica Rafael Ribas. "Tive um grande parceiro para fazer o filme, mas a gente demorou para entrar no jogo do licenciamento." A sala do diretor, forrada de miniaturas de clássicos da animação (o Lion-o de Thundercats, avisa, foi o primeiro da coleção), não esconde alguém cuja paixão pela mídia vai além da sala de cinema. "Lino pode ser uma última tentativa da animação nacional dar um salto para se firmar como indústria", ressalta. "Mas essa indústria precisa existir, a gente precisa aprender com quem já faz isso de olhos fechados."

O pulo do gato (sem trocadilho) para consolidar o sucesso de Lino está, portanto, fora das mãos de quem suou para que o filme exista. "Um produtor americano me disse que, caso a gente faça um segundo, o licenciamento será prioridade", encerra Rafael, que não encara uma boa noite de sono desde que a produção saiu do papel e que, ao mesmo tempo em que conversa comigo, ainda acerta os últimos detalhes para o lançamento. "O que eu sei é que agora eu posso tirar férias!" Se fosse por Selton Mello, que se tornou grande parceiro de Ribas, o voo seria ainda mais alto."Se a gente morasse nos Estados Unidos, ele estaria milionário e comandando um estúdio de animação gigante!", conclui o ator. "O Rafael é um gênio, e digo isso sem o menor exagero."

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.