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Isolado por seu ativismo político, Richard Gere descobre no cinema independente a melhor fase de sua carreira

Roberto Sadovski

07/05/2017 18h06

Richard Gere é um ator peculiar. Ele passou de revelação nos anos 70 a sex symbol na década seguinte, experimentou uma fileira de fracassos, foi recolocado no time dos grandes astros do cinema e, de repente, sumiu das megaproduções. Não que ele tenha envelhecido ou que seu nome deixou de significar números nas bilheterias: Gere foi colocado de lado por seu ativismo, por sua luta política, o que revela não só um estranho paradoxo em Hollywood como também abriu espaço para o ator reencontrar sua paixão por atuar longe da pompa e do barulho dos blockbusters, entregando uma performance mais brilhante que a outra nos braços do cinema independente.

Um exemplo está em cartaz no Brasil agora. A comédia dramática Norman: Confie em Mim coloca Gere como um nova iorquino que torna-se amigo de um político israelense inexpressivo. Alguns anos depois, o mesmo político é agora Primeiro Ministro, colocando Norman, personagem de Gere, em uma posição ao mesmo tempo incômoda e privilegiada. É um filme pequeno, bancado com dinheiro de produtores em sua maioria israelenses, mas que abre espaço para o ator ousar, entregando sua melhor performance em anos. É o mesmo Gere, com fibra de iniciante e totalmente entregue ao personagem, que o público viu nos úlimos anos em O Benfeitor, O Encontro e, principalmene, no eletrizante A Negociação. Todos filmes independentes. Todos elevados acima da média pela performance de Richard Gere.

Richard Gere entrega sua melhor performance em anos em Norman

Não que ele tenha em algum momento de sua carreira se acomodado na posição de "astro". Mesmo em produções gigantes, como O Chacal e Infidelidade, Gere buscou passar a verdade de seus personagens, encontrar o que os movia, mesmo entre as engrenagens do cinemão. "Faço os mesmos filmes que fazia quando comecei", disse este ano ao Hollywood Reporter. "Histórias conduzidas pela narrativa e por seus personagens." Claro, o ator acumulou uma fortuna em três décadas a serviço dos grandes estúdios (em seu divórcio com a atriz Carey Lowell, advogados estimaram seu patrimônio em 250 milhões de dólares). Ele pode se dedicar a fazer filmes independentes. Mas existe, claro, uma certa mágoa pelo modo como o sistema funciona. E é estranho a mesma indústria que abraça o ativismo isolar um de seus pares justamente por causa disso.

O primeiro impacto das crenças de Gere reveberou na cerimônia do Oscar de 1993. Ao subir ao palco para entregar o prêmio de direção de arte, ele fugiu do roteiro e usou a enorme audiência da festa para falar em prol do Tibete, da crueldade em que o país é submetido há décadas pela China e da luta do Dalai Lama por sua independência. Recado importante em uma causa abraçada por dezenas de outas celebridades. Mas não pegou bem no momento, e Gere terminou banido do Oscar – ele retornou à cerimônia vinte anos depois, em uma reunião do elenco de Chicago. Não que o ator tenha se importado, e sua carreira continuou forte pelos anos seguintes, com trabalhos memoráveis em filmes como As Duas Faces de Um Crime (que revelou Edward Norton), a comédia Noiva em Fuga (que o reuniu com Julia Roberts quase dez anos depois de Uma Linda Mulher) e o próprio Chicago, pelo qual ele ganhou um Globo de Ouro – mas foi deixado de fora do Oscar.

O ator com o Dalai Lama: luta pela independência do Tibete

O mundo, porém, mudou. A indústria do entretenimento idem. E o cinema viu a China erguer-se como um colosso cultural, revelando-se como principal mercado consumidor de filmes depois dos Estados Unidos. Não só isso: boa parte do dinheiro injetado nos blockbusters contemporâneos vem de produtoras chinesas, consolidando sua posição como público e realizador, e fazendo com que os grandes estúdios encarem as parcerias com o gigante do Oriente com muito carinho. O dinheiro manda, claro. Neste cenário, um ator de voz tão ativa como Richard Gere, que está proibido de entrar na China há anos, torna-se persona non grata. Este "exílio" começou a ser evidente em 1997, quando ele encabeçou o thriller Justiça Vermelha, sobre um empresário americano acusado de assassinato…. na China! "A MGM queria fazer um acordo amplo de distribuição com os chineses", lembra. "E a resposta foi, 'Não tem acordo se vocês lançarem este filme'. E o estúdio lavou as mãos." Com campanha modesta, Justiça Vermelha afundou nas bilheterias.

Richard Gere começou a carreira nos anos 70, surgindo como coadjuvante em À Procura de Mr. Goodbar e, depois alçado à condição de protagonista no excepcional Cinzas no Paraíso, de Terrence Malick. Mas foi em 1980 que ele disparou para o topo, no papel-título do drama Gigolô Americano. Em uma época que o cinemão americano espelhava-se em filmes europeus, e não havia tanto pudor em injetar sensualidade em cena, Gere foi apontado como sex symbol e ganhou ainda mais exposição no sucesso A Força do Destino (1982) e em A Força do Amor (1983), refilmagem do francês Acossado, que Jean-Luc Godard dirigiu em 1960. Sua boa estrela perdeu o brilho com uma série de fracassos (Cotton Club, Rei David, Os Donos do Poder), mas voltou com força total em 1990: primeiro no thriller policial Justiça Cega; depois no fenômeno Uma Linda Mulher.

Gere, Julia Roberts e o fenômeno Uma Linda Mulher

Apesar do retorno ao primeiro escalão, Gere sempre habitou um canto mais discreto entre os astros de Hollywood. Ele nunca foi indicado ao Oscar e não fez o salto para trás das câmeras como Mel Gibson, Kevin Costner, Tom Hanks ou Denzel Washington. Não encabeçou outro sucesso acachapante depois de Uma Linda Mulher. Nunca rendeu-se ao cinema de ação ou teve uma série para chamar de sua. Com o crescimento da influência chinesa em Hollywood, dificilmente ele voltará ao jogo dos blockbusters, mantendo-se firme com as produções independentes que o acolheram. Pior para o cinemão, que perde um de seus protagonistas mais interessantes. Melhor para o público, que ganha pequenas pérolas como Norman: Confie em Mim e um artista sem nenhum compromisso além de melhorar cada vez mais em seu ofício.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.