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“É genial trocar ‘zap’ com os jovens, aquela escrita me excita, é quase sexual”, diz escritor

Rodrigo Casarin

10/08/2017 17h35

"É genial trocar 'zap' com os jovens, aquela escrita me excita, é quase sexual".

Foi o que confessou há pouco o escritor Ronaldo Correia de Brito ("Galiléia" e "O Amor das Sombras") em uma conversa que participou ao lado do poeta Salgado Maranhão ("Mural de Ventos" e "Ópera de Nãos"), com mediação de José Inácio Vieira de Melo. Com o tema "Como anda a literatura brasileira contemporânea?", o papo aconteceu no final da tarde desta quinta (10) na primeira edição da Flipelô (Festa Literária Internacional do Pelourinho).

Ronaldo não estava prestes a confessar qualquer tara por mensagens de Whatsapp – a parte da sexualidade era uma brincadeira, evidentemente -, mas apontava como a literatura sempre se adapta às novidades. "Algo tem que mudar com relação ao que está sendo produzido. [O filósofo Zygmunt] Bauman tem total razão, tudo é uma liquidez rápida, não temos mais compromisso com o eterno. Então, precisamos descobrir literatura nisso tudo. Vejo que há, no meio desse caos, algo que se constrói. Isso na literatura, na música, no cinema, e tudo dialoga, tudo se mistura".

Pouco antes, o escritor tinha contado que uma cena que já se transformou em um lamentável clássico de nossa política foi fundamental para o trecho final de seu próximo romance, um policial. "Escrevi inspirado naquela conversa truncadíssima do Temer com o Joesley Batista… Aquilo é o Teatro do Absurdo, é Kafka, aquela conversa é fantástica, nada se afirma, nada se responde, nada se diz, e tudo está dito".

Aproveitando o gancho das adaptações e transformações que acontecem e já aconteceram na literatura, Maranhão, que estreou em livro no final da década de 70, lembrou que ele começou a fazer poesia pressionado por duas frentes: dos poetas que defendiam a tradição, os clássicos, e a dos poetas concretistas, que se portavam como "os donos do novo", definiu.

"A minha geração, da poesia marginal [por fugir dos cânones e procurar seus próprios meios de produção e divulgação, não confundir com a literatura marginal dos dias de hoje], enfrentou essa rigidez com leveza. Não tínhamos compromisso com nenhum desses lados. No final, pudemos arejar os dois lados estanques".

O poeta também recordou que o acesso aos meios de divulgação e informação permitiu que a arte se descentralizasse. "Os centros reproduzem ideologias, as periferias produzem as experiências de vida. Hoje é um momento de muita poesia de qualidade, sem os conceitos doutrinários da literatura". Na sequência, respondendo a pergunta "por que poesia não vende", Maranhão afastou da poética a culpa por qualquer fracasso no mercado. "Poesia não vende porque é mal vendida, mal oferecida e mal ensinada na escola. Se você não ensina isso com prazer, ninguém quer. Ninguém aguenta viver sem prazer".

A Flipelô acontece em Salvador, capital da Bahia. A Festa começou ontem (09) com uma apresentação de Maria Bethânia na Igreja de São Francisco e vai até domingo (13).

Viajei a Salvador a convite da organização da Flipelô.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.