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"A Lenda do Herói" tem no idioma maior desafio para chegar aos consoles

Rodrigo Lara

Do Gamehall

07/12/2015 17h00

A palavra que melhor define o jogo indie brasileiro "A Lenda do Herói" é, provavelmente, "inovador". E isso é curioso, uma vez que a mecânica desse game é clássica: fases lineares, nas quais o jogador precisa atravessar plataformas e derrotar inimigos, e visão 2D com gráficos feitos em pixelart. Ou seja: mais tradicional, impossível. 

A grande novidade é como a progressão pelos cenários ocorre. Ou melhor, como ela é cantada, já que a música de fundo interage diretamente com o que o jogador está fazendo. É o tipo de experiência sobre a qual só é possível ter uma noção exata jogando. Isso porque há um grande número de possibilidades para a narração musical, que levam em consideração três variáveis principais: as já citadas ações do jogador (como um pulo para uma plataforma mais alta, o recolhimento de algum item ou o encontro com um inimigo), o ponto no qual está a melodia instrumental da trilha sonora e as possíveis letras da música em si.

"Colocar em sincronia esses três pontos foi um grande desafio. Não queríamos deixar o jogo repetitivo, então criamos diversas combinações", afirma Rafael Bastos, produtor da Dumativa Creative Studio, responsável pelo game. UOL Jogos teve a oportunidade de avaliar o jogo durante a Comic Con Experience, evento realizado em São Paulo entre os dias 3 e 6 de dezembro. 

"A Lenda do Herói" está previsto para chegar aos PCs entre janeiro e fevereiro do próximo ano, inicialmente com venda exclusiva pelo sistema brasileiro de distribuição digital Nuuvem. Perguntado sobre um possível lançamento para consoles, Bastos apontou que o idioma é o principal entrave para isso no momento. "Há uma exigência de Microsoft, Nintendo e Sony de que os jogos vendidos para seus consoles tenham abrangência mundial. O nosso está totalmente em português e, no momento, nossa preocupação é deixá-lo totalmente pronto para o lançamento". Ou seja: um dos maiores anseios dos jogadores brasileiros, que é ter jogos totalmente em português, pode ser um obstáculo a produtores que desejam que suas criações sejam as mais abragentes possíveis.

Isso não significa, porém, que o game não chegará a novas plataformas. "Passada essa fase, nós pretendemos, sim, trabalhar em cima de uma opção de idioma inglês. Nos inspiramos na Disney para fazer a melodia do jogo, ou seja, criamos músicas adaptáveis para serem cantadas em outros idiomas. Também não queremos apenas fazer uma tradução do que é cantado. A ideia é fazer uma localização completa, com referências e piadas contextualizadas", explica. 

Metalinguística gamer

A ideia de criar "A Lenda do Herói" surgiu com os irmãos Matheus e Marcos Castro. Com quase 1,4 milhão de seguidores no canal de YouTube "Castro Brothers", os dois são fãs de games desde criança e ganharam notoriedade fazendo paródias de músicas famosas com letras que se referiam a jogos de videogame, além de programas com teor humorístico.

Um vídeo publicado em janeiro de 2012 pode ser considerado um embrião do que viria a ser o game "A Lenda do Herói". Tratava-se de uma animação feita por Marcos, que trazia um pequeno cavaleiro com escudo e espada andando por um cenário no qual enfrentava inimigos com o objetivo de salvar uma princesa. "Apesar de ser uma animação, muitos seguidores acharam que era um jogo mesmo. Como já queríamos fazer um game, pensamos 'por que não?'", conta Marcos.

O caráter metalinguístico de "A Lenda do Herói" também já estava presente no vídeo de quase quatro anos atrás. Tanto a música, que narrava as ações do personagem e fazia piada com clichês de diversos jogos, quanto o visual propositalmente genérico do personagem eram marcas da produção. "Curiosamente, foi difícil criar esse visual. A ideia era transmitir a sensação de familiaridade e fazer referência a elementos de games clássicos", aponta Matheus.

Uma vez definido o estilo de jogo, os irmãos Castro partiram atrás de uma produtora. Rafael Bastos, da Dumativa Creative Studio, participou da reunião para definir quem produziria o projeto. "Durante o encontro, a maioria dos presentes oferecia opções simples e de baixo custo. Quando foi a minha vez de falar, propus um game com orçamento dez vezes maior do que o sugerido. Todo mundo levou um susto", conta. Para bancar a produção, a sugestão era utilizar o método de financiamento coletivo, à época algo bastante incomum no Brasil.  

Assim, foi lançada uma campanha na plataforma Catarse, com meta inicial de R$ 125 mil. Encerrada em setembro de 2014, ela arrecadou o dobro e atingiu o estágio máximo de desenvolvimento possível para o game. O formato final foi definido com oito fases de três atos cada, com dois "chefões" para cada fase. O dinheiro extra também possibilitou criar mais inimigos e itens, cenários maiores, uma campanha zumbi, mais puzzles e skins para o personagem, que homenageiam youtubers famosos apoiadores do jogo, como BRKsEDU e o Jovem Nerd. 

"Depois da campanha, tivemos praticamente um ano e meio para finalizar o game. Foi corrido, mas um ponto positivo é que o Marcos e o Matheus sempre estiveram muito próximos da gente durante esse período. O fato de eles serem jogadores e gostarem muito de assunto nos ajudou bastante", conta Bastos. Já Matheus diz que a ideia é criar uma franquia de produtos relacionados ao game. "Nos inspiramos muito no que o Maurício de Sousa fez com a 'Turma da Mônica'. Já temos material para a história de várias sequências do game, mas também queremos fazer outros produtos. É um universo rico", diz. 

Profundo, mas acessível

Durante o teste realizado durante o evento, foi possível jogar todos os três atos da primeira fase. De cara, a jogabilidade pareceu bastante familiar: a progressão é linear e, nesse ponto do jogo, há apenas três comandos: pulo, ataque (que, após pegar um item específico, pode ser carregado para que o herói arremesse uma bola de fogo) e defesa com o escudo, que ajuda a evitar projéteis. O visual é bastante agradável e lembra jogos da era 16 bits, com cenários coloridos e elementos em pixelart.

Pelo menos nessa primeira parte, os inimigos eram variações de serpentes, que atacavam o jogador com investidas físicas e também com arremessos de bolas de fogo. O maior destaque, como não poderia deixar de ser, era a trilha sonora. Ter determinadas partes do progresso narradas, com músicas inteligentes e recheadas de humor - piadas infames também estão no pacote -, é algo que gera uma experiência rica. E, em alguns casos, essa característica se torna um risco extra, já que é possível ficar prestando atenção naquilo que está sendo cantado e errar um pulo ou acabar atingido pelo ataque de um inimigo.

"Há vários elementos de RPG, com itens que tornam o personagem mais forte. Mas, ao mesmo tempo, nossa meta sempre foi a de criar um jogo acessível", conta Bastos. A exposição na Comic Con Experience foi a primeira aparição pública do game e, de acordo com o produtor, o resultado foi bastante positivo. "Uma senhora estava jogando e eu fui perguntar o que ela achou. Disse que não se interessava por jogos, mas que esse ela queria jogar justamente por ser diferente", comemora.

A previsão inicial de lançamento de "A Lenda do Herói" era para janeiro de 2016, porém a equipe de produção já cogita adiar em um mês a chegada do jogo para dar um polimento final. Inicialmente disponível apenas na plataforma Nuuvem, ele custará R$ 30. "Ainda não é tão simples convencer as pessoas a pagar por um jogo no Brasil, mesmo quando o preço não é elevado e há diversas formas de pagar. Esse é um desafio que a gente encontra, mas a decisão foi a de fazer um jogo com qualidade. É natural que a gente receba por isso, mas fizemos o possível para manter o preço do game interessante", conclui Matheus.