Pioneiro, DJ cego cria programa para deficientes aprenderem a discotecar
Professor daquele que é considerado o primeiro curso para DJs cegos do país, Anderson Farias, 38, logo percebeu o tamanho da sanha tecnológica de seus alunos. Vidrados em celulares e tablets, os jovens queriam de alguma forma utilizar ferramentas digitais para aprimorar suas discotecagens, uma tendência da cena eletrônica atual.
O pedido ao professor evoluiu e se transformou em um “script”, um programa de computador que permite a qualquer um usufruir dos recursos do software de mixagem Virtual DJ, um dos mais populares do mundo.
Utilizado em conjunto com um leitor de tela, o BlinDJ (DJ cego, em português) "lê" as telas do Virtual DJ a partir de um sistema de voz e pode ser empregado também em dobradinha com uma controladora física (veja abaixo a demonstração).
A "invenção" de Anderson foi bancada pelo Programa Vai Tec, da Prefeitura de São Paulo —o curso ministrado por Anderson também foi realizado por meio de editais públicos— e lançada por ele no último dia 3, na Campus Party.
A ideia é promover cidadania ao integrar o deficiente a um universo extremamente dinâmico e visual, o da arte e entretenimento. “A molecada de hoje é muito diferente. Ela é mais agitada e ligada em tudo o que é digital”, diz Anderson, que é formado em gestão de eventos e ganha a vida discotecando e dando palestras sobre inclusão.
O BlinDJ é gratuito e tem código aberto. Ou seja, qualquer um pode baixá-lo e aprimorá-lo. Novos DJs cegos devem vir por aí. "A verdade é que todos que têm deficiência, especialmente a visual, demoram muito tempo para entrar no mercado formal de trabalho. Queremos ajudar exatamente esse jovem.”
Segundo Anderson, a resposta ao programa vem sendo positiva. “Não tenho como medir quantas vezes ele foi baixado, mas várias pessoas do Paraná e do Rio já me procuraram para dar suporte. Inclusive um menino de Macaé que tem baixa visão e disse estar muito feliz por conseguir usar a ferramenta. As coisas vão acontecendo devagarinho.”
DJ da tocha paralímpica
Nascido no bairro do Tatuapé, zona leste de São Paulo, Anderson perdeu a visão aos 9 anos devido a um glaucoma congênito. Aos 17, começou a fazer da paixão pela música uma profissão inscrevendo-se em campeonatos de DJ. Para ler os títulos de LPs e CDs, passou a imprimir etiquetas em alto-relevo.
Aos poucos, ganhou quilometragem à base de house music, hip hop, suas especialidades, e o que mais pedissem nas festas. A chance de virar instrutor veio em 2011, quando foi convidado por Ban Schiavon, dono da escola paulistana DJ Ban EMC, para montar um curso inédito.
Foram meses assistindo a aulas tradicionais de DJ para poder elaborar uma nova metodologia, que fosse ao mesmo tempo simples e dinâmica. O curso para cegos ainda pode ser encomendado na escola, embora não mais de forma gratuita.
Entre vários outros projetos, entre eles o No Vision Experience, em que convida as pessoas a dançarem vendadas para refletir sobre a vivência de quem não enxerga, Anderson foi ainda o DJ oficial das festas da tour da tocha paralímpica no ano passado.
O currículo recheado, no entanto, não é garantia de trabalho. “Hoje você vê o David Guetta tocando em festival, o cara saindo do Big Brother e virando DJ duas semanas depois. O DJ virou o cara bonitinho e descolado, e o deficiente foge dos padrões de beleza", lamenta ele.
“Eu te cito um exemplo: eu moro num lugar que tem três condomínios, e o cara do outro lado da rua não me chama para fazer festas para ele. Prefere contratar alguém que enxerga. Mesmo que a pessoa não admita, o preconceito ainda existe e ainda é muito forte.”
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