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Primeiros 11 anos de vida criaram universo fantástico de Guillermo del Toro

Guillermo del Toro recebe o Leão de Ouro por "A Forma da Água" no Festival de Veneza - Reuters
Guillermo del Toro recebe o Leão de Ouro por "A Forma da Água" no Festival de Veneza Imagem: Reuters

De Los Angeles

06/01/2018 08h50

O diretor mexicano Guillermo del Toro, que recebeu o maior número de indicações para o Globo de Ouro deste ano, diz que o mundo fantástico de seus filmes foi construído em seus primeiros 11 anos de vida.

As criaturas, os vampiros, os super-heróis, tudo vêm à mente de uma criança que amava perambular pelos esgotos da sua natal Guadalajara e derreter lesmas com sal, que tinha um lobisomem de pelúcia e que aos cinco anos pediu de Natal uma planta mandrágora para fazer magia negra.

E o destino permitiu que ele representasse tudo isso no cinema.

"Tenho 52 anos, peso 110 quilos e fiz mais de 10 filmes", disse ao receber o Leão de Ouro em Veneza por "A Forma da Água", filme indicado a sete Globos de Ouro (melhor filme drama, melhor atriz drama, melhor diretor, melhor atriz coadjuvante, melhor ator coadjuvante, melhor trilha sonora, melhor roteiro) neste domingo.

Del Toro, que completou 53 anos, disse em um encontro com jornalistas em Paris que este é "seu primeiro filme adulto".

O longa-metragem é otimista, com a história de amor entre a zeladora de um laboratório ultrassecreto do governo dos Estados Unidos e uma criatura anfíbia presa em um tanque de água.

"É sua obra-prima até agora", disse à AFP Leonardo García-Tsao, crítico de cinema em La Jornada e um velho amigo de "El gordo". "Faltava um elemento muito de Guillermo, que é o humor".

"O Labirinto do Fauno" e "A Espinha do Diabo" foram mais sombrias, explorando temas como a perda e a nostalgia. Embora algo permaneça intacto: a distinção entre as criaturas e os monstros.

As primeiras são retratas "com empatia", e as segundas respondem sempre a um ser humano, "que acaba sendo o verdadeiro monstro", explicou o próprio cineasta em Paris.

Cena do longa "A Forma da Água", do cineasta mexicano Guillermo Del Toro - Divulgação - Divulgação
Cena do longa "A Forma da Água", do cineasta mexicano Guillermo Del Toro
Imagem: Divulgação

Remendando e construindo

Del Toro cresceu em uma família muito católica. Sua mãe era uma poetisa amadora que jogava tarô, e seu pai, um homem de negócios que ganhou na loteria e montou um império de concessionárias de automóveis.

Nascido em 9 de outubro de 1964, cresceu em uma mansão junto a serpentes, um corvo e ratos brancos, com os quais às vezes dormia abraçado, segundo um perfil do diretor publicado pela revista The New Yorker.

"Tudo o que sou, no sentido da compulsão artística e das histórias que conto, vem dos meus primeiros 11 anos", disse à revista Gatopardo. "Acredito que quem somos na essência se forma nesses primeiros anos, depois passamos a vida remendando o que se rompeu e construindo o que não".

Sua avó foi uma de suas grandes influências. "Não sei o que diria Freud, mas foi importantíssima", disse nessa entrevista. Não por acaso, a relação entre crianças e idosos é muito presente em sua obra.

É vista, por exemplo, no filme "Cronos" (1993), que conta a história de um atípico vampiro idoso que não quer a vida eterna e de sua neta que o esconde em um baú.

Este foi o único filme que ele dirigiu no México.

O ator Federico Luppi em cena do filme "Cronos", de Guillermo del Toro - Divulgação/The Criterion Collection - Divulgação/The Criterion Collection
O ator Federico Luppi em cena do filme "Cronos", de Guillermo del Toro
Imagem: Divulgação/The Criterion Collection

O sequestro de seu pai o obrigou a sair do país em 1998, e dois anos "traumáticos" depois iniciou "a etapa espanhola", na qual o tema da Guerra Civil foi uma constante.

"O Labirinto do Fauno" e "A Espinha do Diabo" foram filmados nesse país, com total liberdade criativa.

Sua primeira experiência em Hollywood foi "Mutação" (1997), na qual, segundo contou, viveu um inferno enfrentando as intromissões e pressões dos produtores.

Artista, gênio

Já consagrado, hoje faz cinema "com sua própria assinatura", disse à AFP A.P. González, professor universitário e ex-membro do comitê latino no Sindicato de Diretores. "É um verdadeiro artista".

Recusou, por exemplo, fazer "Harry Potter" e a primeira versão de "Thor".

Faz parte do prestigioso grupo "Los tres amigos", junto aos também consagrados diretores mexicanos Alejandro González Iñárritu e Alfonso Cuarón.

"Têm estilos muito diferentes, mas Guillermo é o único que construiu um mundo muito reconhecível, é o único que permaneceu em um gênero", indicou García-Tsao, que também presidiu a Cineteca Nacional de Mexico e não hesita em chamá-lo de "gênio".

Além disso, considera o diretor "encantador, um cara muito generoso, muito amável", um amigo com quem tinha "um código para fazer piadas sujas" e com quem fez mais de uma vez "um safári gastronômico" em Guadalajara.

"É bom de garfo!", acrescentou.