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Aparecida, Maria, Pe. Fábio… Como repórter da Globo virou best-seller da fé

Rodrigo Casarin

15/09/2017 08h31

Rodrigo Alvarez em Jerusalém.

Há três anos que Rodrigo Alvarez, jornalista bastante conhecido do grande público pelo trabalho como correspondente internacional da Globo, lançou seu primeiro livro com temática religiosa. "Aparecida" trazia a "biografia da santa que perdeu a cabeça, ficou negra, foi roubada, cobiçada pelos políticos e conquistou o Brasil", como entrega seu subtítulo. Na sequência vieram "Maria", "Milagres" e "Humano Demais". Juntos, os quatro já venderam mais de 620 mil exemplares – só de "Aparecida" foram 300 mil –, o que levou Alvarez diversas vezes às listas dos mais vendidos e o transformou em um dos recentes best-sellers do Brasil.

Alvarez começou seu projeto em 2011, quando, após visitar o Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, no interior de São Paulo, ficou encantado e intrigado com toda a fé representada pelo lugar. "Li a história que se contava, sobre a pescaria milagrosa nas águas do rio, mas achei pouco. Devia ter muito mais. Além disso, eu estava procurando um tema que me desafiasse. Queria escrever algo relevante sobre o Brasil", conta em entrevista ao blog.

Ao se aprofundar na história, encontrou mesmo muito do que desejava. "Depois de três anos de pesquisas, descobri que Aparecida era um dos símbolos mais antigos da nossa história, mais antigo do que o Hino Nacional, do que a nossa bandeira e até do que a palavra brasileiro. Estava profundamente associado às coisas do Brasil. E quando digo coisas, estou falando de política, escravidão, corrupção e, sem dúvida, da fé católica brasileira. Quando comecei a vasculhar os documentos de 300 anos atrás, percebi que tinha um diamante bruto em minhas mãos".

Como dito, "Aparecida" saiu em 2014 e foi sucedido por outras três obras que focam em diferentes aspectos da religião. Em "Maria", registra a conturbada trajetória da mãe de Jesus Cristo. Em "Milagres", reconta casos extraordinários atribuídos à intervenção divina de Nossa Senhora Aparecida. Em "Humano Demais", por fim, traça a vida religiosa do padre Fábio de Melo. Todos esses títulos foram publicados pela Globo Livros.

No Mar Morto.

Religião e rigor jornalístico

Para aliar o rigor jornalístico com histórias que muitas vezes se sustentam muito mais por meio de mitos do que de fatos, Alvarez conta que as apurações para seus escritos que envolvem a religião são muito mais rigorosas – "umas vinte vezes mais" – do que as que faz para reportagens convencionais.

"Precisei montar uma biblioteca muito grande, com mais de mil livros, alguns deles raros, comprados em sebos de Londres, Nova Iorque e Paris, para me certificar de que cada frase que escrevo tem sustentação em documentos históricos. Também faz parte do trabalho viajar para os cenários onde as histórias ocorreram. Depois de terminar um capítulo, eu o releio, sem o menor exagero, umas sessenta vezes, procurando pontos que precisem de confirmação ou simplesmente tentando fazer com que as palavras fiquem mais compreensíveis, mais precisas e mais bonitas".

No entanto, mesmo com todo esforço, em algumas situações nem tudo pode ser esclarecido. Nesses casos, sente-se à vontade para apontar que determinadas passagens não podem ser comprovadas. "Quando não é possível provar, digo isso e pronto. Se a história que se conta tradicionalmente não faz sentido ou não tem fundamento, também vou deixar isso claro. Não escrevo pensando em agradar ninguém, mas com uma honestidade intelectual que não deixa margem para acusações de lado algum".

Como os números – e a repercussão entre leitores – comprovam, a aposta vem sendo certeira. "Penso que havia uma lacuna nas livrarias brasileiras. Tínhamos muitos livros devocionais ou de autoajuda sem preocupação com a informação. Faltavam livros que falassem do cristianismo com respeito e seriedade, sem querer defender essa ou aquela linha religiosa, sem omitir as dúvidas, e ao mesmo tempo satisfazendo o desejo das pessoas de entenderem mais sobre tudo o que aconteceu depois de Jesus", analisa o autor.

Na Jordânia.

"Contar grandes histórias"

Alvarez nasceu em uma família católica da zona sul do Rio de Janeiro e estudou em escola e universidade ligadas ao catolicismo. Recorda que adorava ouvir padres agostinianos contando parábolas sobre Jesus Cristo, mas, ainda assim, diz que sabia muito pouco sobre a religião. Ao tentar entendê-la melhor, notou que se embreava em um tema praticamente inesgotável. "Olho para o cristianismo como jornalista, pesquisador e, principalmente, como escritor. E não tem nada melhor para um escritor do que contar grandes histórias. Agora, se você for lá em casa, vai ver uma coleção de esculturas religiosas, principalmente de Maria. Me fazem bem".

Antes dos livros religiosos, Alvarez já tinha publicado outros dois títulos: "Haiti Depois do Inferno", sobre o terremoto que devastou a ilha na América Central, e "No País de Obama", a respeito de uma viagem que fez pelos Estados Unidos. Agora, diz trabalhar em um projeto maior, que desenvolve desde que começou suas pesquisas sobre Aparecida. "Comecei a trabalhar com uma nova editora, e penso que teremos um grande título até o fim do ano. O que posso adiantar é que vamos falar de amor".

Mar da Galileia.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.