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Com trama política esgotada, sobrou clichê em "Os Dias Eram Assim"

Nilson Xavier

18/09/2017 23h18

Renato Góes e Sophie Charlotte (Foto: reprodução)

Encerrada nessa segunda-feira (18/09), "Os Dias Eram Assim" foi a primeira novela a receber o nome de "supersérie". O intuito é diferenciar essas produções das novelas exibidas nos tradicionais horários das 6, 7 e 9 da noite. E também pelo fato de não ser contínua (como as demais novelas), mas por acontecer uma vez por ano (só retorna ano que vem). Todavia, nada de super foi visto em "Os Dias Eram Assim", a não ser uma trama batida, mal alinhavada, repleta de clichês e personagens maniqueístas. Curiosamente, apesar das falhas na trama e no texto, é a novela das 23 horas com a média final de audiência (Ibope da Grande SP) mais alta desde que a faixa foi implantada, em 2011. Veja os números:
O Astro (2011): 19
Gabriela (2012): 19
Saramandaia (2013): 15
O Rebu (2014): 15
Verdades Secretas (2015): 20
Liberdade Liberdade (2016): 18
Os Dias Eram Assim (2017): 21

Na realidade, são dados que não servem de parâmetro para comparação, já que a Globo foi espertinha ao alterar o horário de exibição de "Os Dias Eram Assim" às quintas-feiras para depois de "A Força do Querer", aproveitando-se assim do grande Ibope que a novela vem alcançando para alavancar a supersérie. Deve-se levar em conta também que as outras tramas das onze foram exibidas em horários e dias diversos no prime-time global.

Cássia Kiss como Vera (Foto: reprodução)

Escrita pelas estreantes Ângela Chaves e Alessandra Poggi, "Os Dias Eram Assim" foi originalmente concebida para ser uma novela das seis. Deslocada para um horário tardio, a trama ganhou uma abordagem mais condizente com a faixa e seu público. A supersérie abraçou temas polêmicos (a repressão do governo militar e os primeiros anos da Aids) que, somados à roupagem bonita (fotografia, direção cinematográfica e trilha sonora de clássicos da MPB), serviram apenas para disfarçar uma trama central insuficiente para sustentar os cinco meses em que esteve no ar. Sobrou tempo e faltou originalidade.

A bem da verdade, a história de "Os Dias Eram Assim" esgotou-se antes de sua metade, quando a mocinha Alice (Sophie Charlotte) descobriu que o amado Renato (Renato Góes) estava vivo. Até então, a novela seguiu com uma trama apoiada na abordagem política, com destaque para as cenas de tortura, bem dirigidas e interpretadas, envolvendo os personagens de Antônio Calloni, Marco Ricca, Gabriel Leone, Bárbara Reis e Mariana Lima. Com o avanço da história para o ano de 1984 e o fim do Regime Militar na trama, ficou o rame-rame do vilão enlouquecido Vitor (Daniel de Oliveira repetindo um tipo que já havia interpretado anteriormente) sedando a mocinha de Sophie Charlotte (três vezes!), enquanto o policial Amaral (Marco Ricca) tocava o terror com seus desafetos.

Sem ter mais para onde seguir, a trama central cansou e restou a panfletagem política rasa em meio a imagens reais de arquivo que assassinaram a ordem cronológica dos fatos. A cronologia também foi abertamente ignorada na trilha sonora (tocou música de Legião Urbana nos anos 70 e de Chico Science nos 80, por exemplo). Liberdade poética ou não, as incongruências já eram percebidas na proposta "atemporal" dos figurinos e caracterizações de atores – o que apenas confundiu o público, que não reconheceu nas roupas e penteados dos personagens as épocas retratadas. Muitos erros cronológicos diante da pretensão de reconstituir fatos históricos de relevância para o seguimento da ação.

Júlia Dalávia e Felipe Simas (Foto: reprodução)

Ganhou então destaque a personagem Nanda (eficientemente vivida pela jovem atriz Júlia Dalávia), vítima da Aids na época em que pouco se conhecia sobre a doença e o seu diagnóstico representava uma sentença de morte. Ainda que didática em várias ocasiões (como no discurso de Nanda para seus amigos sobre o perigo da nova doença), a abordagem emocionou e foi acertada – principalmente ao desassociar a Aids dos homossexuais (primeiro grupo de risco reconhecido na época).

Ineficiente em sua narrativa, o elenco bem escalado suou para dar credibilidade a personagens maniqueístas em situações clichês. Júlia Dalávia foi o destaque entre os jovens. Mas foram os veteranos que se sobressaíram, principalmente Marco Ricca (Amaral), Antônio Calloni (Arnaldo), Natália do Valle (Kiki), Susana Vieira (Cora), Cássia Kiss (Vera) e Mariana Lima (Natália).

O rapto da mocinha pelo vilão coroou o final previsível. A faixa das onze da noite pede narrativas mais elaboradas. A Globo já exibiu produções melhores no horário.

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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