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Cosa Nostra: história do chefão da máfia que viveu no Brasil vira livro

Rodrigo Casarin

20/12/2016 14h24

tommaso

Privilégios para quem tem dinheiro. Corrupção. Agentes públicos de todos os escalões envolvidos com falcatruas. Regiões devastadas pelo crime. Coerções, ameaças, delações. Poderíamos estar falando do Brasil atual, mas o cenário pintado é o que envolvia a mais famosa das máfias italianas, a Cosa Nostra. "O tráfico de influência era uma das primeiras e principais mercadorias da máfia, assim como é hoje no Brasil", diz o jornalista Leandro Demori ao traçar um paralelo entre a realidade que pesquisou durante quase uma década e o país onde a Lava Jato domina o noticiário.

Há pouco Demori lançou o "Cosa Nostra no Brasil" (Companhia das Letras), livro no qual se debruça sobre a vida de Tommaso Buscetta para traçar um perfil da atuação deste famoso mafioso no mundo do crime. Boa parte da narrativa se passa aqui, onde o bandido viveu ao longo de anos. Além disso, o autor mostra que a disputa por poder e dinheiro é bastante parecida em qualquer lugar do mundo e em qualquer época da história.

"[Daqueles tempos pra hoje] não mudou nada. Se for ver, quantos agentes públicos de várias esferas tem implicações ali? Desde general da ditadura até o juiz bêbado no tribunal. Ainda tem a figura do delator, que estamos vendo novamente tomar uma grande importância", compara o autor. Se atualmente os delatores relevantes aparecem aos montes, na década de 1990 foi justamente Buscetta que esteve nessa posição.

Filho de um vidraceiro, Tommaso cresceu em Palermo. Na juventude começou a praticar pequenos delitos que o levaram a ser aceito na máfia local. Cresceu no ramo, expandiu os negócios para a América, virou um dos chefões do crime na Itália e quando colegas conterrâneos quiseram sua cabeça, rumou para os Estados Unidos e depois para o Brasil. Com carinho pelo país, que já conhecia de outras passagens, alternava-se principalmente entre São Paulo, Rio de Janeiro e o Pará. Constituiu uma família brasileira enquanto alicerçava e comandava rotas para o tráfico de cocaína.

tommaso1Entre um crime e outro, passou anos preso na Itália, onde corrompeu facilmente o sistema carcerário. A detenção que acabaria com sua carreira de mafioso, no entanto, deu-se apenas na década de 80, justamente aqui no Brasil. Tentou se suicidar tomando veneno, mas fracassou. Extraditado para os Estados Unidos em 1993, recebeu nova identidade e liberdade assistida para entregar todo o esquema do qual era parte. Suas informações fizeram com que grupos mafiosos consolidados, como a própria Cosa Nostra, ruíssem. Morreu no começo de 2000, aos 71 anos, vitimado por um câncer

"Ele era um mafioso atípico, o que causa certo fascínio. Os mafiosos sicilianos no geral eram meio broncos, sem instrução, não eram refinados. O Tommaso, por sua vez, era enigmático e ao mesmo tempo magnético. Um cara muito coração, muito família, ao mesmo tempo que era um mafioso internacional que matava gente e participava de conchavos. É algo parecido com a figura do médico e do monstro", explica Demori.

Máfia por todos os lados

Diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e formado na Associazione di Giornalismo Investigativo de Roma, Demori começou a se interessar pela história das máfias em 2008, quando viveu na Itália. Anos mais tarde, após os arquivos da ditadura brasileira serem abertos, decidiu que era hora de investir em um trabalho de fôlego sobre umas das figuras que mais lhe chamavam atenção.

cosa nostraAo longo seis anos o jornalista mergulhou em arquivos nacionais e estrangeiros – inclusive do FBI -, viajou por lugares onde seu perfilado passara e ouviu muita gente para reconstruir a trajetória de Buscetta no crime. Diversos dos entrevistados têm o nome preservado na obra para evitar possíveis represálias, inclusive. Sim, alguns homens retratados em "Cosa Nostra no Brasil", cujas histórias se entrelaçaram com a de Tommaso, continuam perigosos.

"Totò Riina [que também chefiou a Cosa Nostra] está vivo, cumprindo prisão perpétua. Até algum tempo atrás ainda prendiam bilhetes dele", exemplifica o autor. "A pessoa nunca deixa de ser mafiosa, a não ser que vire um delator, como o Tommaso. Os caras não param. O que acontece é que hoje, como a máfia está mais enraizada no mercado formal, até na bolsa de valores, vemos menos violência. Talvez os grupos mais violentos estejam no leste europeu, na Turquia, na China, na Nigéria… Na Itália atualmente, em termos de violência, a que mais aparece é a napolitana, que é formada por pistoleiros mesmo. Hoje as outras máfias estrangulam os inimigos financeiramente", conta Demori.

"A vontade das máfias sempre foi ser parte do estado. Eles queriam ocupar um espaço onde o estado não está, igual as milícias e o tráfico no Rio de Janeiro. A disputa sangrenta é quando um grupo subverte essa ordem", continua o autor, que ainda indica que o limite entre o lícito e o ilícito praticamente não existe mais. "Eles já fazem parte da economia formal, é indivisível, não há mais fronteira entre legal e ilegal. A zona cinza da economia mundial é muito maior que a zona escura e a clara, tanto que há uns dois anos queriam incluir o dinheiro da máfia no PIB da Itália. A atuação da máfia está nas marcas que consumimos, no alimento, no tomate, na água engarrafada… Elas sempre entram em alguma parte do processo: no plantio, na importação, na exportação…".

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.