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Sete anos, dois livros e um alerta: “Não estão defendendo o planeta”

Rodrigo Casarin

23/01/2018 10h36

Acredite nos seus sonhos. Faça sempre o seu melhor para realizá-los.

Use mais produtos e brinquedos feitos com material reciclável.

Ensine o que você sabe.

Essas são três das 13 "Dicas de Respeito" que João Paulo Guerra Barrera apresenta em seu segundo livro: "Morando no Espaço/ Living in Space" (Editora Trilha, ilustrações de Lucas Pagés), que sai com uma tiragem inicial de 15 mil exemplares (primeiro chegarão às mãos dos assinantes do clube de Leiturinhas e, a partir de março, estarão em livrarias).

João Paulo é um menino prodígio. Em 2016, aos 6 anos, lançou "No Mundo da Lua e dos Planetas" (Book Express), que, como "Morando no Espaço", foi escrito em português e em inglês – o Guinness Book analisa o pedido feito pela família para apontar João como o escritor mais novo a publicar um livro bilíngue. Depois, na escola, o garoto desenvolveu um jogo de videogame a partir da sua obra de estreia e o conjunto (livro com game) foi inscrito em um concurso da Nasa. Disputando com outros 6.000 alunos de todas as partes do mundo, João foi declarado vencedor da categoria Mérito Literário e ainda conseguiu outros três feitos: se sagrou o primeiro brasileiro a vencer a competição e se tornou a pessoa mais jovem a receber um prêmio da agência do governo norte-americano e a discursar em suas tribunas.

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A relação com a Nasa não se encerrou com a premiação, pelo contrário. Ao longo de 2017, João e a agência se aproximaram a ponto dos norte-americanos, com a articulação de Jefferson Michaelis, presidente da Fundação Michaelis, optarem por transformar o garoto no embaixador nacional do programa Science Days 2018, que visa divulgar a importância da ciência e tecnologia aeroespaciais – a cerimônia para a oficialização do cargo acontecerá na próxima segunda, dia 29, a partir das 16h30, no Planetário do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, em um evento aberto ao público. Além disso, o escritor foi eleito uma das personalidades do ano de 2017 por uma revista de circulação nacional e esteve recentemente no gabinete do Ministro da Educação para um bate-papo.

Se no livro de estreia João criou um trio de amigos que chegavam até uma estação espacial utilizando um foguete feito de material reciclável, agora, em "Morando no Espaço", esses mesmos personagens estão de fato vivendo em uma cidade construída além da Terra. No novo título, o pequeno autor mostra continuar bastante preocupado com as questões ambientais. "No espaço, além dos meteoritos, asteroides e meteoros, também tem muito lixo espacial, restos de foguetes, pedaços de satélites, ferramentas e muitas coisas perdidas. São quase 30.000 peças de lixo espacial que orbitam em nosso sistema solar e que podem colocar em risco a estação espacial ou quebrar uma parte dela", escreve.

É por isso que os três amigos desenvolvem uma máquina que capta todos esses resíduos, recicla o que é possível e destrói o restante com um laser atômico ou manda sobras para um buraco negro. Essa preocupação com o meio ambiente transparece tanto em momentos diversos da narrativa – algumas das outras "dicas de respeito" são "não jogar lixo no mar nem na rua", "plantar árvores para ter mais oxigênio" e "proteger os animais" – quanto na conversa bastante informal que tive com João. "Não estão defendendo muito o planeta. Uma vez, quando estava voltando do aeroporto para minha casa, vi muito lixo jogado no chão", queixa-se o garoto, que completará 8 anos em março.

"Tenho um pouquinho de medo"

Depois de publicar o primeiro livro, a carreira de escritor cansou um pouco João. Principalmente por conta da mão doendo após longas sessões de autógrafo, dizia que só publicaria sua segunda obra quando completasse 100 anos. No entanto, mudou de ideia em poucos meses. Após conhecer a Nasa e ouvir muitas informações sobre estações espaciais, decidiu que era hora de criar uma história na qual seus personagens vivessem no espaço, não apenas chegassem até ele.

– Como os três amigos, você tem vontade de morar numa estação espacial, João?

– Tenho um pouquinho de medo – reconhece sorrindo o garoto.

Esse medo está misturado com os segredos que lhe fascinam. "Me interesso pelo espaço porque ninguém sabe o que tem lá, é um mistério. Não sabe se tem um outro planeta com vida igual aqui. Eu acho que tem um outro planeta com pessoas, cidades… Como pode só ter um planeta com pessoas? A Terra é muito pequenininha perto do universo. Não tem sentido o universo ser infinito e em só um lugar existir vida", acredita.

Apoio dos pais

"Esse prêmio é uma oportunidade para fazer com que crianças, com o apoio de seus pais, leiam mais, estudem mais, criem coisas novas para fazer do planeta Terra um lugar melhor para se viver", cravou João quando subiu ao palco da Nasa para discursar. Filho único, corintiano e fã de Sonic, o ouriço azul dos games, o garoto passou a ser chamado com frequência para dar palestras e para conversar com colegas de sua idade em escolas públicas e particulares.

"Ele estimula as crianças e jovens do Brasil a ler, estudar e ter interesse por ciência e tecnologia aeroespacial. O que tem feito diferença, gerado um impacto positivo, é ser uma criança escrevendo e falando para outras crianças", resume Margarida Barrera, mãe do escritor. Tanto Margarida quanto Ricardo Barrera, o pai, possuem um papel central nessa breve e bem-sucedida trajetória de João Paulo.

João Paulo e seus pais.

"A função dos pais é proteger, acolher e ter um olhar atento. Esse olhar atento vai indicar qual é o talento do seu filho. Os pais precisam apoiar seus filhos e mostrar que podem fazer a diferença desde já. A primeira escola, a base educacional, é dentro de casa", acredita a mãe. Já Ricardo critica aqueles que não dão a atenção que os pequenos merecem. "Muitos pais acham que é só deixar o filho se virar. Não é assim. Primeiro, gostamos muito de ler, e ele percebia isso. Livros em casa sempre foram e são bastante comuns. E sempre estimulamos o João Paulo a ser criativo, ouvir e contar histórias. A grande maioria dos pais acha que a escola tem que fazer de tudo, não apenas a transmissão do conhecimento. A educação ter que vir de casa, dos pais".

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Ricardo ainda procura romper com a clássica pergunta "o que você quer ser quando crescer?". João não precisa crescer para ser alguma coisa, crê. "Sempre dissemos que ele pode fazer agora, não precisa esperar crescer. Ele já é escritor, embaixador da Nasa… E se com 25 anos ele for vocalista de uma banda de rock, legal. Isso que tentemos passar para os pais: seu filho deve ter algum talento, você só tem que ir lá e estimulá-lo, não negligenciar, participar da educação do filho. A educação é a base para tudo".

Não que seja fácil. Ricardo conta que, apesar dos diversos reconhecimentos, quem continua bancando todas as iniciativas de João são os próprios pais. "Ele não tem bolsa na escola particular em que estuda, nunca recebeu um cachê nem de quem o chama para palestrar, nada de patrocínio… Ele é convidado por uma série de lugares, está sendo premiado, recebendo título até da Nasa… Deve ter alguma empresa no Brasil com interesse em ajudar, até para mostrar o João Paulo como exemplo. Ele demanda viagens, educação, logística… E até hoje somos só nós dois que fazemos e bancamos isso. Temos batidos em várias portas, mas até agora…".

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.