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A Flip tenta se reinventar

André Barcinski

26/07/2017 09h41


Ano passado, em meio à mais grave crise econômica da história do país, a Flip fez uma de suas programações menos atrativas ao público médio, homenageando Ana Cristina César, uma poetisa conhecida por meia dúzia de alunos da PUC-RJ dos anos 80, e ignorando nomes mais atrativos, como Rachel de Queiroz, João Ubaldo Ribeiro, Monteiro Lobato, Maria Clara Machado, Érico Veríssimo e José Mauro de Vasconcelos

O resultado foi uma diminuição brutal do público. Pousadas e restaurantes ficaram vazios. O turismo de Paraty, que sempre viu a Flip como o evento mais importante da cidade, reclamou (e antes que algum leitor estranhe, gostaria de informar que o nome do homenageado da Flip é um dos maiores chamarizes para o público, e quem diz isso não sou eu, mas os 15 ou 20 donos de pousadas, restaurantes e agências de turismo que entrevistei ano passado e que reclamaram da falta de um nome de peso no evento. Alguns donos de pousadas disseram que clientes que vinham todo ano ao evento cancelaram quando descobriram que não sabiam quem era a homenageada – leia aqui uma reportagem que fiz ano passado sobre o assunto).

Esse ano a crise continua, mas a Flip, que começa quinta, 26, e vai até domingo, 30, parece ter se esforçado para se reaproximar do público. Não há na programação nenhum astro capaz de atrair multidões, como aconteceu em edições anteriores com Chico Buarque, Toni Morrison, Neil Gaiman, Ariano Suassuna, Amos Oz, Robert Crumb, Ali Smith ou Salman Rushdie, mas a lista de convidados promete debates interessantes.

O homenageado é Lima Barreto (1881-1922), o que de cara torna o evento mais próximo do público (quantos não leram "O Triste Fim de Policarpo Quaresma" ou "Recordações do Escrivão Isaías Caminha"?). Houve um aumento no número de editoras representadas no evento, com forte presença de editoras pequenas e independentes. Também aumentou a presença de autoras. Pela primeira vez, há mais mulheres (23) do que homens (22) na programação.

A estrutura do evento diminuiu bastante, o que prova a dificuldade financeira por que passa a Flip. Esse ano os debates não acontecem mais na Tenda dos Autores, mas dentro da Igreja da Matriz. A lotação dos debates caiu de 850 pessoas para 410. Quem veio à festa em anos anteriores acostumou-se a ver grandes estruturas montadas à beira do rio Perequê, mas hoje o local comporta apenas um estacionamento.

DESTAQUES

Aqui vai uma lista de alguns autores que têm tudo para provocar bons debates.

Marlon James
O escritor jamaicano de 46 anos ganhou o importante Man Booker Prize por "Breve História de Sete Assassinatos", um dos melhores livros que li nos últimos anos. É um épico histórico-policial centrado numa tentativa de assassinato do cantor Bob Marley (chamado no livro de "O artista"), mas que passa por quase 20 anos da história jamaicana das décadas de 70 e 80. Se você é fã de "Libra" (Don De Lillo) e "Tablóide Americano", de James Ellroy, pode ir na fé.

Paul Beatty
Outro vencedor do Man Booker Prize, o norte-americano Paul Beatty vem falar sobre o polêmico e cáustico "O Vendido", livro satírico, um tanto surreal e altamente imaginativo, sobre um fazendeiro que tenta reintroduzir a escravidão em um bairro do subúrbio de Los Angeles.

Deborah Levy
Não conheço o trabalho da sul-africana Deborah Levy, mas só de ler essa entrevista dela com minha amiga Sylvia Colombo, da "Folha", fiquei interessado, especialmente na "virada modernizadora e feminista" que a autora propõe às quatro razões apresentadas por George Orwell para justificar o ato de escrever: puro egoísmo, entusiasmo estético, impulso histórico e proposta política.

William Finnegan
Ainda não li "Dias Bárbaros – Uma Vida no Surfe", pelo qual Finnegan ganhou o prêmio Pulitzer na categoria autobiografia, mas sou fã do trabalho jornalístico dele na revista "The New Yorker".

DEBATES

Durante a Flip, vou mediar três debates de programações paralelas ao evento: na quinta, dia 27, às 17h, na Casa Folha, participo da conversa entre o grande sambista Nelson Sargento e o jornalista Lira Neto, autor de "Uma História do Samba", na mesa "Não Deixe o Samba Morrer".

No sábado, farei a mediação de duas mesas no Sesc: "De Colagens e Tretas", com os autores Cristiane Costa e Ricardo Lísias, às 11h, e "Jornalismo Cultural Atual e Seu Futuro", com os jornalistas Arthur Dapieve e Schneider Carpeggiani, às 16h.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.