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Exposição sobre artista brasileira Lygia Pape estreia nos EUA

20/03/2017 18h36

Nova York, 20 Mar 2017 (AFP) - Pioneira, exuberante, experimental, inclassificável: a obra da brasileira Lygia Pape (1927-2004), que buscou levar a arte abstrata para as ruas do Rio de Janeiro, desembarca na terça-feira no Met Breuer, a nova filial do Metropolitan Museum of Art, em Nova York.

Será a primeira retrospectiva dessa grande artista nos Estados Unidos, com dezenas de pinturas, esculturas, gravações, curtas-metragens, fotografias, instalações e performances.

Durante suas cinco décadas de carreira, Pape combinou a abstração geométrica com noções de corpo, tempo e espaço para aproximar os objetos artísticos da vida real.

Começou com o Grupo Frente, um coletivo de artistas fascinados com as formas geométricas e as cores puras. Em 1959, se afastou e fundou no Rio de Janeiro, junto com Hélio Oiticica e Lygia Clark, o neoconcretismo, que foca na abstração geométrica, mas ressalta a experimentação, o processo e a interação visual.

Forma e política: desafio duplo"Ela era uma artista muito concentrada na experimentação com legados da vanguarda europeia, em particular com o vocabulário abstrato da arte geométrica, mas também com a ideia de aplicá-lo a um novo conceito, que era o Brasil do pós-Guerra e, depois, durante a longa e dolorosa ditadura", explicou à AFP a espanhola Iria Candela, curadora da exposição.

Pape "enfrenta o desafio da forma, e depois enfrenta o desafio da situação política em seu país", afirmou.

Com a chegada da ditadura, Pape sai às ruas para refletir a experiência viva do corpo e da subjetividade na obra artística.

Em Divisor (1968), por exemplo, dezenas de pessoas desfilaram pelo Rio cobertas com um enorme pano branco - somente apareciam as cabeças por pequenos buracos - em um corpo coletivo com reminiscências do Carnaval, mas também da vigilância militar do espaço público.

A primeira performance pública de Divisor ocorreu em 1967 com crianças da Favela da Cabeça, e foi filmada pela própria Pape. O museu prevê recriá-la no próximo sábado, em um trajeto de oito quadras do Metropolitan Museum até sua filial Met Breuer.

Pape "estava muito interessada em explorar todas as áreas de sua cidade, o Rio de Janeiro, e de se conectar nas pessoas e em suas formas de viver. Ela foi a primeira a levar estudantes de arquitetura para as favelas [especificamente a Favela da Maré] para estudar seu modo de vida e as formas de construção, construções precárias. Assim, por meio da sua vida, você poderá se conectar com a arte e a vida real", disse a curadora.

Em "Roda dos Prazeres", uma escultura interativa e multissensorial montada por Pape pela primeira vez na praia da Barra da Tijuca em 1967, os participantes são convidados a saborear líquidos de cores básicas - verde, azul, vermelho e amarelo - de sabores surpreendentes (anis, vinagre, café, sal e banana) em um círculo de recipientes brancos.

A escultura foi recriada no Metropolitan, onde assistentes explicam como provar os líquidos com os conta-gotas sem "contaminar" os outros recipientes.

Um seio para o almoçoNo fim de sua vida, sua obra foi ficando cada vez mais brasileira, mas sem perder a universalidade, como mostram suas séries Tupinambá.

Na exposição há uma delas, "Banquete tupinambá" (2000): uma mesa e duas cadeiras de estilo europeu, totalmente cobertas por penas roxas como as dos ibis e papagaios utilizados pelas tribos Tupi durante a colonização portuguesa.

E, sobre a mesa, como servido para o almoço, um seio nu que parece real. Uma referência ao canibalismo dos Tupis, mas também ao Movimento Antropofágico, iniciado no Modernismo, que reafirma a identidade brasileira que devora influências externas para criar uma cultura própria.

"Uma multidão de formas" será exibida até 23 de julho. Pape é a primeira grande artista da América Latina a ser escolhida para uma exposição no Met Breuer, em parte porque o edifício elaborado por Marcel Breuer "se relaciona intensamente" com a estética de Pape, segundo a curadora.